terça-feira, 29 de novembro de 2011

Discurso Amoroso


O outro fica desfigurado pelo seu mutismo, como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]

Este amor revelado num dizer maciço assemelha-se ao dizer psicótico; parece-me que a condição do amor psicótico não leva em conta a distância dos corpos, esta distância que aprendemos a respeitar e que às vezes nos parece insuportável: “A gente sabe guardar distância: à mesa, no trabalho, na rua, existe um espaço devido. Se me aproximo demais, coro, desculpo-me. Por que tal distância? Eu quero companhia e quero solidão, mas a distância convencional é menor que a pedida pelo desejo de estar comigo e muito maior que a proximidade consoladora dos amigos que faltam.”

A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!

Mas seria mesmo só da loucura todas estas atribuições? Me parece que o ser apaixonado também almeja algo parecido: fazer de dois - um. O ser apaixonado elege o seu amado`a condição de único, onipresente em seus pensamentos e em seu corpo. Onipotente em suas capacidades. Me parece que o ser apaixonado alcança o impossível, e por ser o impossível, não perdura. O impossível é dar nome a algo inominável, é se apropriar de algo inapropriável."

“Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído:Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo; quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Preciso de Você

Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar seu êxtimo, de meu íntimo

A jornalista me pergunta impressionada a razão de novas pesquisas constatarem que, contrariamente ao que muitos esperavam, o povo da internet cada vez mais associa seus passeios na rede com a necessidade de estar junto. Esse fato relativiza as críticas morais que bradam ameaçadores avisos anunciando que o mundo estaria perdido, pois a www - World Wide Web – seria uma teia perigosíssima que estaria aprisionando nossa pobre juventude, em um isolacionismo narcisista e emburrecedor.

Essa notícia chega ao mesmo tempo em que o Papa se precipita em condenar um aplicativo para smart-phones, através do qual o fiel antenado se confessaria on line, sem a necessidade de se ajoelhar na madeira dura de um confessionário escurecido por muitos pecados ali penitenciados. Ao menos dessa vez, ufa!, o Papa mostrou que “tá ligado”, pois a web não substitui a presença física.

Na mesma vertente, podemos falar da repetitiva pergunta se é possível fazer análise por skype, ou serviço semelhante, sem ter que se preocupar com o terrível trânsito das grandes cidades, bem como se garantir em ter seu analista à mão, ou melhor, na tela, entre um mergulho e outro, em uma ilha paradisíaca, do outro lado do mundo.

Não dá. Há um quê na presença física que é insubstituível. E se dizemos “um quê” é exatamente pelo fato de não podermos precisar o que é isso da presença física que não sabemos traduzir em nenhum idioma e por nenhum meio, razão pela qual não a podemos substituir, pois, como celebrou Michel Foucault: “a palavra é a morte da coisa”; se falamos de algo, substituímos o algo pela palavra e não precisamos mais dele.

Em um mundo que quebrou os paradigmas cartesianos de espaço e tempo, jogando-nos no furacão do ilimitado sem fronteiras, não há nada a estranhar na necessidade da presença física do outro, do corpo do outro, do seu enigma, do cheiro, cor, som, movimento, textura, olhar, que não sabemos traduzir em bytes. Esse enigma do outro é o remédio para a angústia tão atual, por nos termos visto transformar em habitantes de lugar nenhum.

Seis mil moças e moços geeks se acotovelaram por uma semana, em São Paulo, em uma festa chamada Campus Party. Seis mil!, em um pavilhão de exposições. É tão importante estarem juntos, que um nipo-brasileiro, morando ao lado do local da festa, trocou o conforto de seu quarto, por uma tendinha de campanha, verdadeiro elogio do desconforto.

A presença do outro nos remete ao mais essencial de nós mesmos. Se fôssemos honestos, parodiando Vinícius, jamais diríamos expressões do gênero: “no meu íntimo”. E isso porque o que nos escapa é exatamente o nosso íntimo. Diríamos, melhor, com Lacan: “no meu êxtimo”, sim, porque o meu íntimo me é tão estranho – quem já passou por uma análise sabe bem o que estou descrevendo – que melhor chamá-lo de êxtimo, clara alusão ao estranho e ao externo de si mesmo, que habita cada um.
Podemos nos livrar de muita coisa na vida, mas não da gente mesmo, em especial desse ponto íntimo desconhecido, promotor de nossas paixões, essa força estranha vivida na sensação do “mais forte que eu”. A presença física do amigo, do amado, do familiar, do próximo, nos reconecta com esse ponto fundamental, âncora de nossas existências, ponto transcendente de nossa imanência, se quisermos nos valer do discurso da Academia.
Nesse mundo de aparente tudo pode, e de em tudo estou, não por isso devemos nos assustar que ao lado do aumento dos acessos aos meios virtuais, vejamos crescer em paralelo os lugares de encontro físico, sejam eles campus parties, igrejas, consultórios, bares, cruzeiros. Os motivos são variados e o que neles se realiza, também, mas a necessidade é uma só: estar junto. Na era da pós-modernidade, onde o laço social das identificações é predominantemente horizontal, nos damos conta que o principal afeto, o mais fundamental afeto, é o da amizade. Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar o seu êxtimo, de meu íntimo.

Jorge Forbes

domingo, 20 de novembro de 2011

Mais frases de Jorge Forbes

Jorge Forbes

Todo saber é incompleto e cabe a cada um se responsabilizar por completá-lo com a sua subjetividade.

A felicidade só se alcança no acaso, na surpresa do encontro.

Felicidade se dá quando a angústia da surpresa não impede a reinvenção do gosto.

Não importa o tamanho da platéia, o que importa é não recuar sobre a diferença que se é.

INFOXICAÇÃO é o novo termo inventado para nomear a avalanche de informações.Querem ver doença em tudo, querem medicalisar a vida.

Com medo de ser engolido pelo Outro, a pessoa de sucesso pode se mostrar carne podre envenenada.

Não existe uma pessoa atrasada que não tenha uma excelente explicação pelo seu atraso.

Pensando bem: ser sincero não tem nada a ver com ser verdadeiro.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Frases de Jorge Forbes


Frases de Jorge Forbes

Para Lacan, na psicanálise, trata-se de provocar vergonha. O que isso significa? Em nossa leitura, a vergonha é o fundamento da responsabilidade, porque a vergonha é marcada pelo estranhamento de si mesmo.

O que faz durar a possibilidade de uma pessoa pensar ser feliz? Provavelmente a sua capacidade de manter viva a responsabilidade por sua singularidade e a invenção de soluções que consiga sustentar no mundo.

Entrar em análise é sair de uma moral dos costumes e se instalar na ética do desejo.

É a certeza do impossível que nos possibilita começar do novo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O sentido faz falta?


É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: “Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro”.

Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: “Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?”. Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: “Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?”. Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo “necessário” para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma. Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar “curar” a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido. A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto. Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O esoterismo “new age” nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, “La Ragazza Indicibile” (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos “viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério”.

C. Calligaris

domingo, 6 de novembro de 2011

O segredo da vida de um casal


Receita do amor que dura: amar o outro não apesar de sua diferença, mas por ele ser diferente.


Em geral , na literatura, no cinema e nas nossa fantasias, as histórias de amor acabam quando os amantes se juntam (é o modeloCinderela) ou, então, quando a união esbarra num obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta). No modelo Cinderela, onarrador nos deixa sonhando com um “viveram felizes para sempre”, queseria a “óbvia” conseqüência da paixão. No modelo Romeu e Julieta, afelicidade que os amantes teriam conhecido, se tivessem podido sejuntar, é uma hipótese indiscutível. O destino adverso que separou os amantes (ou os juntou na morte) perderia seu valor trágico seperguntássemos: será que Romeu e Julieta continuariam se amando com afinco se, um dia, conseguissem deitar-se juntos sem que Romeu tivesseque escalar a casa de Julieta até o famoso balcão? Ou se, em vez de enfrentar a oposição letal de suas ascendências, eles passassem osdomingos em espantosos churrascos de família?

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Se amo e admiro o outro por ele ser diferente demim (e não apesar de ele ser diferente de mim), não posso considerarque minha maneira de ser seja a única certa.

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vida de casal numaaventura fascinante: a aventura de sempre descobrir o outro, cujadiferença inesperada nos dá, de brinde, a certeza de que nossaobstinada maneira de ser, nossos jeitos e nossa neurose não precisamser uma norma universal, nem mesmo a norma do casal. Há quem diga que oparceiro ideal é aquele que nos faz rir.


C. Calligaris

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Diz uma história antiga, que os deuses tinham muito medo de que o ser humano fosse perfeito, pois, se assim fosse, não precisariam mais deles. Resolveram reunir-se para decidir o que fazer. O mais sábio dos deuses disse:

- Vamos dar ao homem tudo o que pudermos, menos o segredo da felicidade.

- Mas os humanos, como são muito inteligentes, vão acabar também por por descobrir esse segredo! - disseram os outros deuses em coro.

- Não, isso não vai acontecer - disse o sábio. - Vamos esconder a felicidade num lugar onde eles nunca irão encontrar: dentro de eles mesmos!

http://lamarfazbemporlucilazevedo.blogspot.com/