domingo, 27 de maio de 2012

" O histérico é como o poeta: finge que é dor a dor que deveras sente. Não é o sujeito que é simulador. É a própria estrutura da histeria que pode simular qualquer patologia." 
Antonio Quinet 


A palavra não tagarela é a palavra que faz ato, que transforma, que instaura um antes e um depois. São palavras que trazem um dizer e, portanto, fundam um fato." Antonio Quinet

" Nossos atos falhados, são atos bem sucedidos” diz Lacan no seminário sobre Os Escritos Técnicos de Freud “nossas palavras que tropeçam são palavras que confessam."



domingo, 15 de abril de 2012

As dívidas com o passado podem ser chatas. As com o futuro são inquietantes: o que será que devo a mim mesmo? Calligaris

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Todo Mundo quer Amor


Marie Claire: É impossível ser feliz sozinho?
Jorge Forbes:
Todo ser humano necessita de alguém que o incomode, que o desafie todos os dias. Quando acontece o encontro, um acorda o outro e é bom, as pessoas precisam de alguém que as retire do comportamento individualista. A mulher deve ser "a pedra no caminho" do homem, como nos versos de Carlos Drummond de Andrade. É ela quem alerta o homem, porque ele é mais acomodado e ela é mais inquieta. O encontro faz com que os dois tenham motivo para reinventar a vida todos os dias. Mas felicidade dá trabalho.

MC: Fixar-se na falta do parceiro é uma atitude infeliz?
JF:
Idealizar que o parceiro é a fonte da felicidade tem dois lados ruins:
1. Enquanto está sem par, a pessoa desvaloriza as outras conquistas da vida, que também são importantes, mas acabam passando despercebidas.
2. Se, por acaso, consegue que seu relacionamento amoroso atinja seu ideal de felicidade, está fadada a perder essa situação, já que nenhum relacionamento é ideal eternamente.

MC: Como realizar o sonho de ser feliz no amor?
JF:
Tentar ser feliz é obrigatório. Realizar é uma sorte. Para chegar um pouco mais perto, aí vão alguns lembretes:
1. Não acredite em conselhos que tenham em sua composição a palavra "dever".
2. Esqueça regras pré-concebidas. As formas de satisfação a dois só podem ter uma regra – o comum acordo entre os parceiros.
3. Os parceiros podem contar todas as fantasias amorosas um para o outro: contar sempre, realizar quando der.
4. Jamais tente compreender a felicidade. É preciso suportar o inusitado dela, mesmo se você não compreende o que está acontecendo! Com medo de que a felicidade acabe, as pessoas ficam tentando descobrir a receita para repetir exatamente o que aconteceu, na tentativa de aprisionar o momento feliz. Mas toda vez que se constrói uma prisão, a felicidade acaba.
5. A base da felicidade é o novo, a originalidade. Ela é a possibilidade de viver fora do padrão e de reinventar a vida. Quem ousa tem mais chance de ser feliz.

MC: Dizem que"casamento é loteria". O senhor acha que felicidade é questão de sorte?
JF:
Concordo que o amor é um encontro por acaso. A essência do relacionamento não se pode prever e nem medir. Todo balanço pré-nupcial tem um elemento imponderável, por isso os mais velhos costumavam dizer que "quem pensa muito não casa". A razão é simples: é impossível entender plenamente por que se está casando.

MC:A felicidade depende da maturidade?
JF:
Isso não garante nada. A maturidade é uma chatice que a civilização impõe. A felicidade é poder manter algo dos 5 anos de idade e não ser taxado de débil mental. Felicidade é a força bruta do desejo, que dá o impulso para que as coisas se realizem.

MC: "Tenho medo da dependência" é outro clichê moderno para fugir da intimidade emocional.
JF:
Atrás dessa frase há sempre uma pessoa querendo muito ser dependente. Ao encontrar alguém aparentemente disponível, agarra-se a ela como garantia de segurança emocional, econômica, social, espiritual... mas isso não é felicidade. Há sempre uma diferença radical entre dois parceiros: amor é o nome que se dá à ponte que recobre temporariamente essa distância entre eles. Mas a diferença sempre vai reaparecer, é inevitável. A felicidade é tênue, um encontro provisório. Não é standard, nunca é fixa.

MC:Esperar que a relação seja fonte de felicidade revela uma visão idealizada do amor?
JF:
Tratar a relação amorosa como um tapa-buraco para as dificuldades da vida é exigir demais do parceiro, que acaba tendo uma responsabilidade que desconhece e com a qual não pode arcar. Relacionamento amoroso ajuda, sim, mas indiretamente: fornece energia e entusiasmo para enfrentar a vida.

MC:O que precisamos saber para amar e ser feliz?
JF: Que não existe garantia. Todo amor é um contrato de risco e nisso reside sua graça e sua desgraça. Graça, quando contribui para aumentar o entusiasmo na vida. Desgraça quando deixa a pessoa desarvorada – a pior reação de uma mulher frente à perda de um amor, segundo [a escritora] Marguerite Duras.

MC:Mulher sofre mais por amor do que homem?
JF: Geralmente, sim. O abatimento da mulher é maior porque a capacidade feminina de amar é infinitamente superior à do homem.

MC:Felicidade é uma responsabilidade pessoal?
JF:
Pessoal e intransferível. Quem espera que o outro lhe traga a felicidade é porque se acomodou. Colocou o parceiro no lugar da mãe que levava o Toddy na cama.

MC:Na carência afetiva, corremos o risco de consumir o outro como um "antidepressivo"?
JF: Transformar amor em remédio é perigoso, felicidade não é artigo de consumo. A relação amorosa tem duas vertentes: a afetiva e a sensual. A afetiva é cuidado, segurança, companheirismo – é repetição. A sensual é invenção e nada tem a ver com o cuidar – envolve surpresa, uso sexual recíproco e tem uma vertente enigmática. Quando as pessoas estão carentes, tendem a desenvolver a corrente amigável e sufocar a sensual. Aí o amor acaba. Quem se preocupa demais com o dia-a-dia costuma fazer mal amor à noite.

MC: A felicidade amorosa quase sempre vem acompanhada do medo da perda, do abandono ou da traição. Como superar isso?
JF:
Quando se gosta de alguém, a tendência é ficar vulnerável. Amar é suportar ser ridículo. A partir dos 30 anos as pessoas estão escaldadas, já tiveram decepções amorosas. Daí o medo. Mesmo assim, vale a pena arriscar novamente, ainda sabendo que pode se ferrar de novo. Mas se a pessoa só se ferra, é hora de desconfiar de suas más escolhas. Tem gente que tem prazer em sofrer.

MC: A euforia do começo da paixão pode ser chamada de felicidade?
JF:
A paixão pode ser chamada de felicidade, mas, quando se transforma em um ideal de vida, fica supervalorizada e representa um perigo. Fica bonito no teatro, mas é muito triste na vida real. Daí personagens como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa... Morreram porque tentaram eternizar a paixão. Quando os envolvidos querem manter intocável a paixão, quando não suportam mudança ou interferência, acabam selando um compromisso de morte.

*Jorge Forbes

terça-feira, 10 de abril de 2012

É o processo, o meu processo


E a vida prepara um entrelaçamentos de inconsciente, não posso captar
talvez precise de tempo...
Ou apenas não consiga desvendar o mistério
Pois é inconsciente,
e algumas coisas não vem para a superfície
mas que prova angústia e curiosidade
É apenas o exercício da paciente/paciência..
O lugar que ocupo já não sei mais,
pois são inconscientes entrelaçados

É o processo, o meu processo

E a vida prepara um entrelaçamentos de inconsciente, não posso captar
talvez precise de tempo...
Ou apenas não consiga desvendar o mistério
Pois é inconsciente,
e algumas coisas não vem para a superfície
mas que prova angústia e curiosidade
É apenas o exercício da paciente/paciência..
O lugar que ocupo já não sei mais,
pois são inconscientes entrelaçados

terça-feira, 3 de abril de 2012

PERDAS NECESSÁRIAS


Somos sujeitos reprimidos pelo proibido e limitados pelo impossível que buscam se adequar aos seus relacionamentos imperfeitos. Vivemos de perder, abandonar, desistir e, mais cedo ou mais tarde, aprendemos que não há escudo contra as perdas e as dores que as acompanham. Somos sujeitos condenados a lidar com as perdas necessárias.
...
A estrada da vida é pavimentada de perdas e por mais inteligente que sejamos, temos que perder. Até nos sonhos que nos damos ao direito de sonhar e nos nossos relacionamentos mais importantes, precisamos nos defrontar com o que jamais teremos nem seremos, pois por mais que amemos, somos totalmente incapazes de oferecer qualquer abrigo contra as marcas do tempo, contra a velhice, contra a dor, contra as perdas necessárias.

.....
Aceitando que há um impossível, que há um proibido, exercemos melhor nossa liberdade de escolha, nosso livre arbítrio, na medida em que toda escolha requer uma renúncia.
E enfrentando as perdas que os anos de vida trazem consigo, sofremos, choramos, crescemos e nos adaptamos: cada perda em cada estágio da vida comporta uma lição, uma oportunidade de crescimento e transformação, indefinidamente... até o último suspiro.
Se considerarmos que cada perda pela qual passamos é um limão que a vida nos dá, se vamos amargar até a última gota, se vamos fazer limonadas ou caipirinhas se, quando forem muitos, vamos aprender a fazer malabaris, depende de cada um.
Judith Viorst - Perdas Necessárias

quarta-feira, 28 de março de 2012

Processo

O curioso é que para ser feliz, para um momento feliz, pois são sempre momentos e não essências, há que se suportar a sensação de quebra de identidade que fatalmente ocorre. Razão que explica que para alcançar a felicidade é necessária uma boa dose de ousadia e coragem, e não se medir pela expectativa do que esperam de você. Em uma análise, felicidade é suportar o inesperado. (2008: Felicidade não é bem que se mereça).

Jorge Forbes

sábado, 24 de março de 2012

Sexo e Vergonha


Os que consideramos maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente


IMAGINE ALGUÉM que acaba sua noite com um sexo rápido e intenso, em pé, embaixo de uma ponte, e eis que, uma vez em casa, ele entra na internet e transa virtualmente com uma stripper de site on-line.
Não há gozo que lhe baste: sempre sobra a vontade de mais uma vez, mesmo que seja se masturbando com esforço. Outra noite, depois de ter brincado pesado com uma moça num bar, ele se pega com um cara no labirinto de uma boate gay: na procura por mais sexo, vale tudo.

Mas cada rosa tem seus espinhos. O disco rígido do nosso jovem está repleto de pornografia, até no computador do escritório -o que é arriscado. E, sobretudo, ele está aflito: a vergonha o leva a jogar fora (periodicamente) os apetrechos de sua sexualidade fantasiosa, e ele sente culpa de não conseguir ser o irmão, o amigo -e, quem sabe, o namorado- que ele talvez gostasse de ser.

Se esse alguém pedir ajuda a um terapeuta, alguns colegas tirarão da manga o "diagnóstico" de sexo-dependência ("sexual addiction") e proporão o programa em 12 passos (ensinado nas especializações em sexo-dependência), para que o indivíduo aprenda a se controlar e a renunciar, ao menos em parte, ao sexo, que teria se tornado, para ele, uma espécie de droga.

Mesmo sem acreditar nos 12 passos, outros colegas concordarão com o diagnóstico e simpatizarão com o "óbvio" sofrimento do "sexo-dependente" -afinal, eles imaginarão, essa prática endemoniada do sexo "deve", no mínimo, aviltar o indivíduo aos seus próprios olhos.

Outros colegas ainda (e eu com eles), ao receber o pedido de ajuda de um suposto sexo-dependente, reagiriam de maneira diferente: não se preocupariam nem com as fantasias, nem com as práticas sexuais do paciente, mas com a culpa e a vergonha que as acompanham.

Eu também anunciaria ao paciente que não sei (ninguém sabe) disciplinar o desejo sexual; só posso, se ele quiser, tentar disciplinar a culpa e a vergonha que azucrinam sua vida e estragam seus prazeres.
Quem viu "Shame" (vergonha), de Steve McQueen, percebeu que nosso paciente hipotético se parece com o protagonista do filme.

Em cartaz desde sexta passada, "Shame" é, ao mesmo tempo, ousado e careta. Ousado, pelo retrato da procura sexual do protagonista (muitos, sem dúvida, se reconhecerão), e careta, porque essa procura parece ser necessariamente doentia, culpada e vergonhosa.

Concordo com Cássio Starling ("Ilustrada" de 16/3): o filme é ótimo, mas discordo do destaque do artigo, segundo o qual "McQueen foge do moralismo ao abordar a compulsão por sexo". Quem enxerga o desejo sexual do outro como uma patologia é sempre moralista. Em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar (conselho: fuja de parceiros que acham você "doente").

McQueen (na mesma "Ilustrada") declarou que o negócio dele é desafiar as pessoas. Ora, apresentar um obcecado por sexo como um doente que sofre de vergonha e culpa, isso não é desafio algum -ao contrário, é a confirmação de um lugar-comum.

Um lugar-comum confirmado por psiquiatria e psicologia? Nem isso.

Certo, desde o século retrasado, a psiquiatria e a psicologia são regularmente chamadas a substituir a religião, que (digamos assim) cansou de ser a grande ordenadora e controladora do comportamento humano. No caso, a ideia da "sexo-dependência" surgiu nos anos 1970 -provavelmente, como reação contra o interesse "excessivo" pelo sexo durante a dita liberação sexual dos anos 1960.

Mas, sentindo talvez o bafo do moralismo, muitos psiquiatras e a psicólogos receberam essa categoria diagnóstica com desconfiança. Quem a adotou e promoveu foram a imprensa e o grande público (e isso bastou para que surgisse uma pequena indústria de clínicas, programas universitários etc.). Mas por quê, então, esse sucesso popular da "sexo-dependência", na qual McQueen parece acreditar?

Apenas uma constatação: a associação de sexo com vergonha e culpa é um bordão cultural muito antigo, no qual somos convidados a acreditar por todo tipo de poder. A exigência de domesticar o desejo sexual parece ser, aos olhos de todos, um pré-requisito básico de qualquer ordem social.

Além disso, há a eterna inveja dos reprimidos: como dizia Alfred Kinsey, em regra, os que consideramos doentes e maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente.

Calligaris

sexta-feira, 16 de março de 2012



"Esconder-se é um prazer, mas, não ser encontrado é uma catástrofe".
(Winnicott)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Os diferentes são todos doentes?


[...]
Alguns perguntarão: "não é melhor assim?". Sem essa "injeção" de patologia (ou de teratologia), os diferentes seriam apenas julgados em nome de um moralismo qualquer: os drogados seriam vagabundos, os homossexuais, sem-vergonhas, e, quanto aos "cross-dressers" e etc., nem se fala.
Em outras palavras, a substituição da moral tradicional ou religiosa pela medicina, em geral, produz uma nova tolerância das diferenças: elas não são punidas, são diagnosticadas.

Mais um exemplo. Obviamente, para nossa proteção, não deixamos de prender os criminosos, mas já "sabemos" que muitos deles não são "ruins", eles só têm um problema de córtex pré-frontal -por causa dessa malformação, continuam impulsivos que nem adolescentes.
O neurocientista David Eagleman ("Incógnito", ed. Rocco) chegou a propor que a gente treine nossos criminosos de modo que eles gozem de uma "normalidade" cerebral parecida com a da gente. Aí, sim, poderíamos condená-los com toda justiça. Sem isso, puniríamos "doentes", não é?

Perdoamos facilmente, mas não é por misericórdia ou compreensão, é porque respeitamos e desculpamos doentes e vítimas de anomalias genéticas. É um progresso?
Acima de seu sistema jurídico, cada sociedade produz e alimenta um sistema de crenças, regras e expectativas que facilita a coexistência mais ou menos harmoniosa de seus cidadãos.

Para essa função, a modernidade escolheu a medicina (do corpo e das almas). Com isso, o controle sobre nossas vidas seria aparentemente mais suave, mais "liberal". Mas é só uma aparência.
Pense bem. Certo, se toda exceção ou anormalidade for doença ou malformação, os diferentes não serão propriamente punidos. No entanto, a sociedade esperará que eles sejam "curados".

Outro "problema": se os desvios da norma forem tolerados por serem efeitos de doença ou malformação, o que aconteceria com quem pratica desvios, mas não apresenta as "malformações" que o desculpariam?
[...]
Calligaris

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Frases Calligaris


É melhor falar logo das coisas mais difíceis de serem ditas. Pois, quando são silenciadas, elas acabam se vingando, sempre.

o poder é especialmente tiránico quando os atos dissonantes são reconhecidos não como fruto de rebeldia, mas como efeito de uma patologia

Qdo uma relação chegou ao seu fim??? R: para mim, é quando a ausência do outro é um alívio.

Não conseguimos realizar nossos desejos porque, frequentemente, não estamos dispostos a pagar o preço que esses desejos exigem de nós

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Fragmento Espetáculo- por Jorge Forbes


O estudo de Freud e o de Lacan coincidem e destacam algo fundamental da natureza humana, a saber: o ser humano se compreende ou se realiza, no sentido forte do termo, só quando é colocado em cena, no espetáculo, no confronto com o outro.[...}
Trocando em miúdos. Saímos de uma situação na qual a razão era prioritária, para um novo momento, no qual o ressoar toma a dianteira. Assim, os jovens contemporâneos não se perguntam entre si: - “Você me entendeu?”, como faziam os seus pais, mas, simplesmente: - “Você tá ligado?”. O que se tornou básico não é um intercâmbio de significado racional, presente no “entender”, mas uma epidemia (outro termo atual que merece nossa atenção, por descrever como se dão mudanças sociais atualmente), uma epidemia de sentido, tá ligado? Saímos do diálogo e estamos indos para os monólogos articulados.

Nesse mundo de hoje, só duas opções: espetáculo ou genérico. Genérico é ser igual a todo mundo, na ordem unida, tal como as geladeiras: todas brancas e ninguém sabe a marca. Espetáculo é um problema. Requer dois movimentos fundamentais, que sintetizo na sigla cheia de futuro: IR. IR de Invenção eResponsabilidade. Sendo que vivemos um mundo despadronizado, no qual faltam referências ao homem que se vê desbussolado, no qual nem o Édipo sobrevive como chave universal, em vez de cada um se medir frente a um padrão, que não há – pois não há um, mas inúmeros - somos levados a inventar uma resposta singular e passá-la responsavelmente no mundo. Assim entendo quando em seu curso de 2010 (inédito), em Paris, Jacques-Alain Miller trabalha a dimensão do show, no passe. Segundo ele, o cartel do passe não teria nenhuma nota a tomar, a não ser se deixar impressionar pelo espetáculo daquele que se oferece a demonstrar a sua maneira de passagem do estritamente singular ao mundo.

Jorge Forbes

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sentidos do Fundamentalismo


Eis uma (pequena) contribuição ao debate sobre fundamentalismo que se deu, recentemente, na Folha (artigos deIves Gandra da Silva Martins, 24/11, e Daniel Sottomaior, 8/12; cartas dos leitores Antônio Ilário Felici e Francisco Guimarães, 9/12; coluna de Hélio Schwartsman, 10/12).

Fundamentalista é, antes de mais nada, quem leva a sério sua convicção e segue à risca os preceitos que derivam dela.

Se você for católico, não se divorciará nem comerá carne na Sexta da Paixão; se for judeu, no sábado, evitará ligar a luz elétrica; se for muçulmano, não tomará álcool e, caso seja mulher, circulará de véu fora de casa; se for ateu, não invocará a misericórdia divina, nem mesmo em momentos de extremo perigo.

Meu pai era convencido de que existem mistérios para os quais qualquer resposta seria desonesta.

Nesse seu agnosticismo, ele era fundamentalista no sentido que acabo de definir. Um dia, quando meu irmão e eu éramos já adultos, ele quis que prometêssemos que, se ele, na agonia, pedisse a assistência de um padre, nós lhe negaríamos esse recurso, considerando que sua sanidade mental teria se perdido no aperto acovardado da última hora.

Prometemos. Por sorte, ele morreu sem pedir conforto religioso algum. Se ele tivesse pedido, não sei se eu teria mantido minha promessa; à diferença dele, eu não sou fundamentalista: decido e escolho segundo as circunstâncias e não por princípio.

Mesmo assim, tenho respeito, se não simpatia, por esse tipo de fundamentalismo. E acho que todos deveriam poder levar (e viver) suas convicções a sério, se assim quiserem -claro, nos limites básicos impostos pelos códigos Penal e Civil, que regem a convivência social.

Mas tenho pressa de chegar ao outro sentido, pelo qual fundamentalista é quem exige que os preceitos que derivam de suas convicções ou de sua fé sejam observados por todos -ou mesmo que eles se transformem em lei da sociedade inteira.

Esse tipo de fundamentalista, seja qual for sua convicção, religiosa ou ateia, é animado pela necessidade de converter os outros, a qualquer custo. Em geral, ele acha que a violência de seu espírito "missionário" é um corolário de sua fé e uma prova de sua generosidade: "Forçando o outro a se converter, eu só quero seu bem, mesmo que seja contra a vontade dele".

Com esse tipo de fundamentalista, eu implico, por duas razões.

Primeiro, detesto que alguém esconda sua violência atrás de pretensas boas intenções e não gosto da ideia de que um outro imagine saber o que é "bom" para mim.

Segundo, não acredito que alguém possa querer converter os outros à força por generosidade.

Há duas razões pelas quais, em regra, alguém quer impor as normas de suas convicções aos outros, e ambas são péssimas:

1) Ele precisa que ao menos os outros respeitem essas normas, que ele preza, mas não consegue impor a si mesmo - ou seja, incapaz de obedecer a seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros;

2) Ele quer se livrar da inveja que ele sente da vida dos que não respeitam essas mesmas normas (para assinalar a componente de inveja, presente nos moralistas, Alfred Kinsey, o grande sociólogo e sexólogo, dizia que "ninfômana" e "tarado" são os que conseguem ter uma vida sexual mais intensa do que a da gente).

Em suma, os motores de muitos fundamentalismos missionários são a incapacidade de viver à altura dos preceitos pregados e a inveja de quem não respeita esses preceitos.

Por isso, no debate (ou na gritaria) entre homossexuais e evangélicos, por exemplo, nem preciso decidir se gosto mais de Oscar Wilde ou do apóstolo Paulo.

Pois, bem antes e independentemente disso, a oposição relevante é a seguinte: os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem a seu desejo (transformado em "pecado") - ou, no mínimo, que eles sejam impedidos de viver segundo suas próprias disposições e convicções.

Ou seja, para se situar nessa oposição, não é preciso escolher entre as ideias e as práticas das partes, mas entre os que querem regrar a vida de todos segundo seus preceitos e os que preferem que, nos limites da lei, todos possam pensar e agir como quiserem.

Assim sendo, como se diz na roleta, "façam suas apostas".

Calligaris