terça-feira, 28 de dezembro de 2010

FELIZ ANO NOVO


quatro, três, dois, um, Viva ! Feliz Ano Novo !

Não adianta você querer dizer que nada tem a ver com isso, que é só uma data no calendário, que o Ano Novo não muda nada, que todo dia é igual ao outro, que você está acima ou indiferente a essas convenções sócio-comerciais, que o Ano Novo é patrocinado pelas agências de turismo, como o Natal seria invenção do clube dos lojistas. A sociedade vive dos pactos e convenções, que podem ser discutidos mas não desprezados. Senão, seria como dar um tiro no próprio pé. Não se caminha sem acordos de convivência e alguns, como o Ano Novo, dado à sua extensão universal, têm uma força simbólica real, que não permite indiferença. Até aquele mal humorado que prefere ir na última sessão de cinema do dia 31 de dezembro, sozinho, e antes da meia-noite já estar dormindo, não escapa ao Ano Novo. Não querer ver a entrada do ano é uma reação negativa, mas é uma reação.

E todos os anos se renovam as promessas, mesmo que sejam as mesmas das últimas décadas – sempre anunciadas, nunca cumpridas – sem nenhuma vergonha do pecado. O Ano Novo lava a alma do passado e estabelece um daqui para a frente. Normalmente as promessas se dividem em vir a ser mais apto, ou em vir a ser mais hábil. Ser mais apto é o sonho dos Darwinistas, que acreditam, tal qual Y-Yuca Pirama, que “se a vida é combate, que os fracos abate, os bravos, os fortes só pode exaltar”. São partidários da sobrevivência dos competentes.

Outros, os hábeis, almejam o reconhecimento social - mal se reclamando de Hegel - indiferentes às maneiras de obtê-lo, tanto mais quando os chamados emergentes passaram a ter destaque em novela e recebem aplauso popular. Pregam a habilidade, o jeitinho sedutor para obter a melhor vantagem. Mais vale aí a aparência de realização do que a própria; artimanha consagrada no ditado popular : “comeu galinha, degustou peru”.

E a psicanálise, tem algo a dizer sobre as boas intenções do Ano Novo ? Ao menos dois aspectos : “Você quer o que você deseja ? “, seria o primeiro, e o inexorável da surpresa, o segundo. Muitas das promessas, ficam só nas promessas, porque é bastante comum não se querer o que se deseja. Este aspecto até auxilia os analistas no diagnóstico : obsessivos seriam os que só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtém, desejam sempre uma outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta – toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa.

Então, no Ano Novo, uma promessa analítica, se existisse, seria suportar querer o que se deseja e não temer a surpresa do próprio Ano Novo. O momento mesmo do reveillon é o melhor exemplo do imprevisível : embora todo mundo saiba quando ele vai nascer, embora tal qual obstetras do futuro acompanhemos a contagem regressiva do seu nascimento em voz alta, não conseguimos evitar a curiosidade entusiasmada de ver a sua cara em meio a sinfonia dos fogos de artifício e das bolhas de champagne.

E todo Ano Novo é multifacetado, ele tem uma cara para cada um, é o que o difere do ano velho, com suas conhecidas rugas e rusgas. Tanto melhor, se o Ano Novo lhe encontrar feliz. Você.

(Publicado na revista Emoção, em 6 de novembro de 2000)

JORGE FORBES
Inevitavelmente, o analista é um sujeito que um dia foi levado por algum sofrimento e por uma suposição a buscar um Outro ao qual dirigiu sua demanda de amor, de reconhecimento e de saber, saber sobre si e sobre seus pacientes, esta última, mais diretamente dirigida ao supervisor, supondo o Outro que sabe. Desfeita essa ficção, resta-lhe sempre um saber a conquistar.[...]
Maria Teresa de Melo Padilha

sábado, 18 de dezembro de 2010


"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir ás minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado de alma e sim um signo do zodíaco".

(Gabriel García Marquez)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010


Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

(Paulo Leminski)


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

“(...) Ai mesmo a dimensão imaginaria é enquadrada pela relação simbólica, e é por isto que o ódio não se satisfaz com o desaparecimento do adversário. Se o amor aspira ao desenvolvimento do ser do outro, o ódio quer o contrario, seja o seu rebaixamento, desorientação, desvio, delírio, negação detalhada, a sua subversão – e nisto, o ódio como o amor, é uma carreira sem limite”. (Idem: 316).
Lacan

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

CLARICE LISPECTOR


“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.
[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

SOBRE O AMOR


No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do amor caminha a sexualidade. Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se
[...]
“ O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer para deslizar os pronomes : Eu falo e você me ouve, logo nós somos (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável) , me vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou coisa indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei monumentalmente.

(O outro fica desfigurado pelo seu mutismo, como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]


A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!



“Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído: Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo; quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”[5]


[...]

domingo, 5 de dezembro de 2010

Eternizando..


O amor não suporta a perda. E uma forma de não perder é transformar a experiência que não existe mais em poesia ou literatura.

(...) Quando escrevo, estou lutando contra a morte.A morte das coisas que o meu amor ajuntou e que vão se perder quando eu morrer.

Ler rapidamente aquilo que o autor levou anos para pensar é um desrespeito.(...) Há frases que resumem uma vida.

A alma é um grande mar que vai depositando conchinhas no pensamento (...)Quem deseja ser escritor há de aprender a catar conchinhas.

(Rubem Alves)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010


    Como revirar as folhas de uma revista, até encontrar a página certa, recortá-la e grudá-la no espelho. Desse mesmo modo, eu queria voltar no tempo. Voltar até chegar naquele dia, naquela cena, naquele beijo, naquele milésimo de segundo. E então eu o roubaria de lá e o colocaria na ordem do dia, silenciosa e discretamente eu o misturaria com coisas corriqueiras, para não causar alarde o teceria junto as novidades. Assim faria parte do hoje a sua presença, porque a ausência já faz!



Ana Dilger