Sua conferência tem como título A Est-Ética do Desejo.
Calligaris – O título contém uma espécie de trocadilho deliberado e acho isso muito pertinente. Um dos temas que desenvolvi num seminário interno nos EUA era a confusão entre critérios éticos e critérios estéticos que orientam as nossas condutas. Eu tentava mostrar, primeiro, que era normal e esperado que numa sociedade organizada pelas aparências - e digo isso num tom, se for possível, constatativo, não necessariamente crítico - não é nada estranho que razões estéticas orientem os nossos comportamentos, as nossas condutas, a ponto de ter um valor propriamente de razões morais. Primeiro não é estranho e segundo, às vezes os critérios estéticos de fato podem ser excelentes critérios morais. Existem critérios estéticos que podem ser valores éticos. Por exemplo, linchar alguém a pedrada não é bonito, antes disso deveria ser errado moralmente, mas numa situação cultural em que não é óbvio que o critério moral tenha um valor coletivo, ele pode ser substituído por um critério estético, que, como todos os critérios estéticos, sobretudo modernos, são movediços. O critério estético é uma coisa que faz e se desfaz o tempo inteiro, mas ele pode ter uma função parecida com a função que antigamente tinham os critérios éticos.
Como você pensa isso em relação ao desejo?
Calligaris – Quando você pensa o desejo humano, tomando o desejo no sentido mais amplo como o que motiva a nossa conduta, você pode imaginar que nosso desejo seja orientado, por exemplo, pelos ideais que nos foram transmitidos, isso seria um tipo ético de orientação. Numa sociedade, numa cultura em que o desejo é cada vez mais orientado pela expectativa da aprovação dos outros - que é exatamente como se define uma sociedade narcisista, porque nós agimos na procura do olhar dos outros - essa expectativa pode também ter exatamente o mesmo efeito de direção de nossa ação que tinham os critérios ideais numa cultura diferente.
E os efeitos disso na sociedade e na subjetividade individual?
Calligaris – A organização narcisista da personalidade, ou seja, o fato de que a subjetividade contemporânea é fortemente dirigida pelo olhar do outros, isso não é uma coisa sobre a qual nós tenhamos a possibilidade de ter uma posição ideológica, porque isso é a realidade subjetiva da sociedade ocidental moderna, não sei se temos o que escolher. Sempre tem como ser do contra, mas não sei se quando tecemos elogios dos ideais não estamos simplesmente adotando uma posição nostálgica. Um dos defeitos da consciência crítica ocidental que nasceu no século XIX é a idéia de pensar que a posição mais atraente é a posição negativa. Em geral, a psicanálise, a partir da experiência clínica, tem uma atitude um pouquinho diferente: a questão do psicanalista em relação ao paciente é ‘o que é possível fazer que valha a pena, que seja interessante, que não seja uma vida chata a partir das cartas que um paciente tem nas mãos, que alguém tem nas mãos, as cartas que lhe foram dadas?’. Pensar sempre em jogar o baralho fora, ou então parar a mão e redistribuir as cartas, é uma posição que pode se tornar bastante estéril até porque, nem sempre, na verdade quase nunca, a gente tem o poder de redistribuir as cartas. O que a gente pode fazer é jogar a melhor partida possível com as cartas que recebeu. Se a subjetividade contemporânea é uma subjetividade narcisista, muito bem, a partir disso como se organiza um mundo possível em que seja interessante viver? Isso me parece muito mais ao nosso alcance e de fato mais interessante do que uma posição negativa. Por isso me interessa pensar quais são os critérios de conduta, qual é a ética possível a partir desses critérios estéticos.
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