quinta-feira, 29 de julho de 2010

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Levante a mão quem nunca teve o azar de ser amado pelas razões erradas. Eis uma experiência capaz de produzir a angústia de quem se depara com um duplo de si mesmo: o espelho do olhar do outro te devolve uma imagem que parece sua, mas na qual você não se reconhece. Claro que ninguém ama com objetividade. O que o amante vê no ser amado é sempre contaminado pela fantasia. Não me refiro, então, à impossibilidade fundamental de complementaridade entre os casais, mas aos encontros que se dão na base do puro mal entendido. Sentir-se amado por qualidades que o outro imagina, mas não têm nada a ver com você, pode ser muito angustiante. E sedutor. Vale lembrar que a palavra sedução indica o ato de desviar alguém de seu caminho: eis que chega a roda viva e carrega o destino prá lá.
Pensava essas coisas de meu lugar na platéia lotada do Credicard Hall (que nome para um teatro, caramba!) onde fui ver o show de uma de minhas cantoras favoritas no momento: Maria Gadu. Para quem não conhece, Maria Gadu despontou em 2009 na cena musical com uma força que não se via desde a década de 90, quando surgiram cantoras do porte de Marisa Monte e Cássia Eller. O cd que leva seu nome está a muitos meses na lista dos mais vendidos. O que não quer dizer grande coisa: muita gente boa nunca entrou nessa lista e muito lixo musical freqüenta os primeiros lugares. É certo que ter emplacado uma canção na novela das oito deu um empurrãozinho, mas a novela acabou e o cd, que tem onze faixas além de “Shimbalaiê”, continua firme nas paradas. Às vezes o talento encontra seu espaço.
Definir uma voz é quase tão difícil quanto definir um cheiro. Para a experiência olfativa usamos com freqüência analogias com os sabores: os cheiros podem ser doces, amargos, ácidos. Ou são cheiros de: flor, mar, rato, gasolina, parede. Para as vozes, temos a classificação tradicional entre sopranos, barítonos, tenores, contraltos. Imagino que a cantora em questão seja contralto, o que não define grande coisa. Dizer que a voz é rouca também não nos salva da imprecisão. Rouca como o que: uma pedra que raspa na lousa ou um motor a diesel? Um fumante terminal ou Marlene Dietrich? A imagem que me ocorre para a voz de Gadu é a de uma lixa muito fina a filtrar o som que passa por ela, vindo do fundo de um poço. Uma imagem esquisita, concordo. Ainda bem que para os argentinos (que entendem de vozes roucas), “esquisito” quer dizer raro. E raro quer dizer esquisito, mas não tem importância.
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Maria Rita Kehl

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Eu sou psicanalista. Isso me marcou para sempre nas minhas relações com os seres. [...] É através da mentira que uma certa verdade pode ser apreendida. Verdade que hoje talvez não seja mais a de amanhã, mas verdade em movimento, em busca de uma autenticidade".
Maud Mannoni.

domingo, 11 de julho de 2010

Quando o Cupido ataca!!!!

Quem é que nunca suspirou profundamente ao lembrar-se de alguém especial ou a escutar aquela música que tocou no dia em que se beijaram pela primeira vez? Quem nunca teve a ilusão de sentir o perfume da pessoa amada, quando esta estava longe ou de reviver na memória, inúmeras vezes ao dia, os prazerosos momentos que passaram juntos?
Logo que constatamos em nós esse estado de enamoramento, começamos a nos questionar. Parecemos estar estranhos a nós e aos nossos sentimentos. Os colocamos à prova, a fim de nos certificarmos se são mesmo verdadeiros, efêmeros, reais ou ilusórios.
Em meio a todas essas emoções e expectativas, aparece também um dos nossos sentimentos já bem conhecido, o medo.
Temos medo de amar e de ser rejeitado, de não ser correspondido. Medo de nos sentirmos fragilizados e vulneráveis. É como se houvesse um “fantasma” que nos assombrasse, sempre lembrando que a qualquer momento a relação pode acabar e que o outro pode não querer mais viver algo conosco.
Tais “fantasmas” estariam intimamente relacionados com experiências vividas anteriormente. Não apenas experiências de antigas relações, mas de nossos primeiros vínculos afetivos. Registros de sentimentos de desamparo e de abandono que vivenciamos desde os primeiros anos da infância.
Há também o pânico que nos invade, quando nos deparamos com aquilo que realmente buscávamos. Quando encontramos aquele ou aquela que era exatamente como queríamos. Parecemos não saber o que fazer com esse sentimento tão intenso de alegria. Nesse momento o nosso medo é de sermos amados, da relação dar certo e de sermos felizes.
Devemos então nos lembrar que com o medo vem junto a coragem. Uma força que nos impulsiona e que nos lança em direção ao que desejamos. Ao ficarmos paralisados frente ao que tememos (e tememos também porque queremos), ela nos faz dar o próximo passo. Avançamos um pouco mais, quando nos permitimos agir com ousadia, insistência, parecendo muitas vezes incansáveis em nossa busca.
Nossa própria condição humana nos dá esses pares de afetos que nos constituem interiormente, como o medo e a coragem. Um pólo força-nos em direção a recuarmos e o outro nos empurra a avançar. Estabelece-se um conflito dentro de nós nesse momento. É dessa maneira que nos angustiamos tanto frente às nossas escolhas.
Escolher entre seguir em frente e investir em uma possível relação, ou deixá-la passar na tentativa de nos protegermos. Oh dúvida cruel!!!
Se decidirmos seguir em frente, será preciso arriscar. O que quer dizer, assumir que toda relação corre o risco de dar certo e também de fracassar. Se recuarmos, não nos arriscaremos e acreditaremos que assim, estaremos mais seguros e protegidos das frustrações amorosas.
Para assumir a aposta, é preciso que tenhamos desistido de acreditar que a vida nos dará algum tipo de garantia. Oferecer o nosso sentimento a outra pessoa, otimistas de que nela o sentimento também desabrochará. Mas garantia de que isso nos acontecerá não teremos. Será preciso suportar essa posição que sentimos com aquele friozinho na barriga, se quisermos estabelecer algo com maior envolvimento e comprometimento.
Apenas poderemos ter certeza de estarmos escolhendo algo de acordo com o que desejamos viver e com o quanto nosso limite nos permitirá investir. Para isso teremos que nos aproximarmos de nós mesmos e conhecermos quais são eles.
É preciso certa dose de adrenalina, um espírito um tanto aventureiro, um desassossego no peito, é preciso coragem para amar!
Ana Paula Dilger

terça-feira, 6 de julho de 2010

COMO SE CHAMA

Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto - como se chama o que sinto? Uma pessoa de quem não se gosta mais e que não gosta mais da gente - como se chama essa mágoa e esse rancor? Estar ocupada, e de repente parar por ter sido tomada por uma desocupação beata, milagrosa, sorridente e idiota - como se chama o que se sentiu? O único modo de chamar é perguntar: como se chama? Até hoje só consegui nomear com a própria pergunta. Qual é o nome? e é este o nome. (Clarice Lispector)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre a Transferência

"Deve-se compreender que cada indivíduo, através da ação combinada de sua disposição inata e das influências sofridas durante os primeiros anos, conseguiu um método específico próprio de conduzir-se na vida erótica - isto é, nas precondições para enamorar-se que estabelece, nos instintos que satisfaz e nos objetos que determina a si mesmo no decurso daquela. Isso produz o que se poderia descrever como um clichê esteriotípico (ou diversos deles), constantemente repetidos - constantemente reimpressos - no decorrer da vida da pessoa, na medida em que as ciscunstâncias externas e a natureza dos objetos amorosos a ela acessíveis permitam, e que decerto não é inteiramente incapaz de mudar, frente a experiências recentes."

(Freud, S. A dinâmica da transferência - Obras Completas)