terça-feira, 30 de março de 2010

Função do Pai na Feminilidade


"[...] É verdade que o pai imaginário é introduzido à criança atraves do discurso da mãe, conforme os termos do desejo desta por ele. Uma vez percebido como detentor do falo - significante do objeto do desejo materno -, o pai, indica com seu olhar desejante em direção á mãe, que "ser mulher" implica saber se fazer desejada por ele. O pai é o terceiro que organiza o espelho na relação da menina com a mãe; espelho através do qual a menina há de selecionar para si os traços com que há de compor sua feminilidade.[...]

No caso da histeria, a construção de uma narrativa singular fica impossibilitada porque a mulher, ao colocar-se na dependência do desejo dos homens (por mais que ela saiba manobrá-los), instala-se em uma posição equivalente à da castração infantil, onde quem "sabe" do desejo (e se responsabiliza por ele) é sempre um outro. Do outro, este Outro como ser de amor, depende então a condução de destino da histérica, condenada anunca se satisfazer com os resultados."





Maria Rita Kehl.


domingo, 28 de março de 2010

“A posição do analista é de desapego”(JAM). Desapego não quer dizer indiferença, nem quer dizer menosprezo. É uma posição necessária e arriscada. A pessoa só consegue essa posição na sua análise e em nenhum outro lugar, no momento em que desiste de achar que a vida tem garantia. Toda análise chega a esse ponto, se for uma análise..." .
Jorge Forbes

quinta-feira, 25 de março de 2010

Jovens


"Os jovens do terceiro milênio não têm discurso próprio. São objetos do trabalho das organizações não governamentais dirigidas (no melhor dos casos) por ex-jovens remanescentes de 68, preocupados com a falta de perspectivas, o desemprego, a desagregação social que atinge os adolescentes de seus países.

[...]Primeira: os jovens não ocupam o espaço oferecido para sua livre expressão porque não têm o que expressar. Sua voz é o mercado, é a publicidade, é a indústria do show-business global. Pensam estar representados pela profusão de imagens da juventude que circulam pelo mundo inteiro dizendo quem eles são, ou quem deveriam ser. Claro que a discrepância entre as imagens e a experiência produz desconforto, mas não é fácil identificar a origem deste mal-estar.

A segunda hipótese é menos pesimista: os jovens não ocupam o espaço que lhes é oferecido justamente porque ainda conservam um grão de rebeldia. Recusam o espaço criado para eles e vão inventar seus próprios espaços, em recantos secretos da cidade.
Talvez por estas duas razões, o único grupo de jovens expresivos, aquí neste FSMed, sao os palestinos, ávidos por ocupar espaço na cena mundial e utilizar todos os meios disponíveis para expressar sua revolta e sua indignação."
Maria Rita Kehl

terça-feira, 23 de março de 2010

"O discurso do mestre é o discurso do inconsciente. O mestre opera sobre S?, o saber do escravo e produz o objeto a, a causa do desejo ou o mais de gozar, segundo a teoria de Marx.

No discurso da histérica, a partir do fato de ser sujeito barrado, a histérica questiona o mestre colocando-o para trabalhar e produzir um saber.

No discurso do analista, a partir do seu desejo, escondendo seu saber, o analista questiona o sujeito dividido para produzir o significante da sua singularidade.

Discurso da universidade: meu saber, não reconhecendo a dívida que tenho ao saber do mestre interpela o desejo de saber do aluno produzindo o sujeito barrado que fica sempre devendo ao saber."
Teresa Genesini

sábado, 20 de março de 2010

Imagem do Corpo


“O esquema corporal é uma realidade de fato, sendo de certa forma
nosso viver carnal no contato com o mundo físico; reporta o corpo atual
no espaço à experiência imediata. Ele pode ser independente da linguagem2,
é inconsciente, pré-consciente e consciente. O esquema corporal
é, em princípio, o mesmo para todos os indivíduos (aproximadamente
da mesma idade, sob o mesmo clima) da espécie humana. A imagem do
corpo, em contrapartida, é peculiar a cada um: está ligada ao sujeito e à
sua história. Ela é específica de um tipo de relação libidinal. A imagem
do corpo é a síntese viva de nossas experiências. Ela pode ser considerada
como a encarnação simbólica inconsciente do sujeito desejante. A
imagem do corpo é, a cada momento, memória inconsciente de todo o
vivido relacional e, ao mesmo tempo, ela é atual, viva, em situação dinâmica,
simultaneamente narcísica e inter-relacional: camuflável ou
atualizável na relação aqui e agora, por qualquer expressão linguageira3,
desenho, modelagem, invenção musical, plástica, assim como mímica e
gestos. É graças à nossa imagem do corpo sustentada por – e que se
cruza com – nosso esquema corporal que podemos entrar em comunicação
com outrem” (Dolto, 1984, p. 14-15).

segunda-feira, 15 de março de 2010

"Esse homem encontrou a felicidade ao descobrir o tesouro de Príamo, o que prova que a realização de um desejo infantil é o único capaz de proporcionar a felicidade" S. Freud. [1]

"não escapa a Freud que a felicidade é (…) o que deve ser proposto como termo a toda a busca, por mais ética que seja". J. Lacan

“Ninguém pode me obrigar a ser feliz a sua maneira”. I. Kant

sexta-feira, 12 de março de 2010

A IMPOSTURA DO MACHO



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Jornada da APPOA, 3 de abril de 2994

Não é uma acusação. Não existe um autor dessa impostura. O macho não é causa e sim efeito de uma impostura. O neurótico é um que acredita na impostura que tenta fazer com que exista a relação sexual. O impostor é a fantasia inconsciente, derivada das teorias sexuais infantis. Que impostura é essa? De que existe o falo como objeto capaz de preencher a falta no Outro; daí para que o falo seja o sexo do homem é uma passagem simples, freudiana, da ordem das teorias sexuais infantis. Comparar a diferença sexual do ponto de vista das teorias sexuais infantis e do ponto de vista analítico

a) Um órgão que existe vs. um que não existe.

Ou: Aqueles que possuem o falo vs. aqueles que o perderam (ambas implicam em uma diferença de valor aos olhos de um Outro imaginário, próprio do infantil).

Mas essa lógica pode ser substituída pela lógica da visibilidade:

b) Um órgão que se dá a ver vs. um que não se dá a ver (aqui estamos no simbólico, propondo uma pura diferença que não se faz acompanhar de juízo de valor, nem da idéia de um Outro amoroso que prefere meninos a meninas)

A lógica da visibilidade, ainda assim, confirma a miragem fálica: no homem, o falo faz presença. O que torna seu portador constantemente ameaçado: a “presença” imaginária do falo é sempre decepcionante. A mulher, cujo órgão não se dá a ver, é compelida a atrair sobre si o olhar masculino. O falo oculto, ou difuso, da feminilidade, é muito menos ameaçado do que o falo/pênis em que se apoia a construção da masculinidade.

A Mínima Diferença

Mas a mulher, justamente por isso, depende mais da visibilidade de seu corpo “todo”. Por que?

Hipótese: Dialética da diferença entre o homem e a mulher é indissociável da dialética do público e do privado. O que garante a visibilidade do homem é sua presença na esfera pública. Sociedades pré-modernas: espaço público é de domínio masculino. (Hannah Arendt). Mulheres: espaço doméstico. Na Grécia: com os escravos. Privados de visibilidade (Sugestão do Bento Prado: pensar a proposição lacaniana de que “a mulher não existe” a partir da inexistência histórica das mulheres na esfera pública. Se as mulheres não produziram discurso que as identifique, se só produziram filhos, só se produziram como mães)

No homem, a miragem fálica das teorias sexuais infantis é insuficiente para sustentar a construção da masculinidade. Necessário que o falo seja reconhecido pelo Outro. Todo homem sabe que não basta ter um pênis para dotá-lo de falicidade. A posse de um pênis (isso a psicanálise revelou) nem garante que o menino se identifique como pertencendo ao conjunto dos homens.

Deslizamentos da metáfora fálica: Nos homens: coragem inteligência habilidades dinheiro poder força etc. Os desdobramentos do falo reconhecidos socialmente são obra de sublimação e se afirmam no campo da cultura. Nas mulheres: beleza, maternidade. Os desdobramentos do falo são extensões do corpo e se afirmam no campo da família. Mesmo no pensamento Iluminista que influenciou Freud, o homem é visto como ser “de razão”, e a mulher como ser “de natureza”. Mulheres restritas ao espaço doméstico: equivalência entre castração feminina e castração infantil!

Por que a questão da diferença sexual é tão importante para a psicanálise?

Porque ela é criação da linguagem e não da natureza – portanto, não se estabiliza nunca.

Porque ela se torna um problema crítico na modernidade – portanto, é contemporânea à invenção da psicanálise.

Modernidade: “Declínio do homem público”; crescente privatização da vida social.

A construção da domesticidade não afetou só às mulheres, “rainhas do lar” a partir do século XIX. O pai de família burguês também é um homem muito mais doméstico do que os patriarcas pré modernos. Seu poder é restrito à família. Seu reinado é o lar (daí dizermos que a psicanálise é tributária do declínio do patriarca e da evolução representada pelo deslocamento do poder patriarcal para a função paterna).

Nesse ponto, vou dar um salto fundamental:

Na modernidade, a visibilidade que garantia o valor fálico dos homens apoia-se cada vez mais sobre seu valor como marido e pai. Afirmação da masculinidade desloca-se para o campo da privacidade. Mudança histórica: quem atesta a virilidade do homem é a mulher (sobretudo no amor) Rousseau já havia percebido as implicações dessa passagem. Em Émile (no capto. dedicado à educação das moças) insiste em que pudor, recato e ignorância sexual por parte da mulher são essenciais para sustentar a virilidade do marido (como capaz de satisfazê-la).

Desse ponto em diante acho que posso referir-me à masculinidade como mistério. Se ela se afirma na privacidade da vida amorosa, torna-se tão velada quanto a feminilidade. Freud fundou a psicanálise em torno de uma questão sobre o mistério da feminilidade em uma época em que as mulheres estavam se deslocando dos lugares que lhes reservava a cultura; foi isto o que produziu uma questão sobre o que é ser mulher. Hoje é sintomático que a psicanálise se debruce sobre a masculinidade. Mabel Burín: “Hoje os homens se converteram em um verdadeiro enigma”.

Por isso o ocidente moderno é obcecado pelo desempenho sexual dos homens. É nesse campo que se afirma e se confirma uma suposta “identidade masculina” (lembrar que os cavaleiros medievais das ordens cristãs eram castos e que o lugar dos trovadores no amor cortês era sustentado pela performance poética e não sexual. E mais: amor homossexual na Grécia clássica; terna amizade entre os homens árabes. Etc).

Demarcação contínua da diferença sexual: não para de (não?) se escrever. O outro deslocamento que marca a modernidade acontece da parte das mulheres:

Escolarização / profissionalização / controle de natalidade / etc. Para as mulheres, identificação com o campo tradicionalmente masculino é um ganho de visibilidade pública/ de poder/ de possibilidades de escolha de destino/ de prazer. Aliás: se a feminilidade é mascarada que esconde a “falta” fálica, a identificação com atributos tidos como masculinos só faz de uma mulher “cada vez mais mulher”. (Diadorim).

Provocação: a principal diferença entre um homem e uma mulher é que a mulher é também mulher (enquanto ele tenta ser só homem...). Para os homens, identificação feminina é perda.

(João Silvério Trevisan: tornar-se homem significa opor-se a tudo o que possa se assemelhar a uma mulher. “Identidade” masculina é hesitante justamente porque está articulada a esta negação. “Masculinidade é um gênero estreitamente vigiado”). Freud já escreveu que a feminilidade é o indesejável para homens e mulheres.Para o homem é um verdadeiro tabu, ora, todo tabu indica a presença do desejo recalcado. A masculinidade como posição ativa pode ser uma construção defensiva contra o gozo da passividade (masoquismo erógeno).

A posição masculina: sustenta-se às custas do recalque das representações do masoquismo primário; por isso a posição masculina é secundária em relaçào à posição feminina (mais primitiva), e por isso é uma posição defensiva. Gozo fálico barra o gozo feminino a não ser... místicos, drogados, alcoólatras, homossexuais, poetas... (Lacan). A lista é longa.

A masculinidade (construção de linguagem). Na falta de referentes estáveis para definir a masculinidade no terreno da vida pública assistimos à restauração do “macho” que, bem de acordo com os padrões subjetivos da sociedade do espetáculo, sustenta sua existência através da imagem corporal.

a) imagem, musculatura, força – violência, brigas, truculência – o corpo como um falo.

b) desempenho sexual, conquistas amorosas, desprezo pela mulher – o pênis c/o falo.

Contradição: o macho contemporâneo é uma histérica.

Os homens enquanto sujeitos / a experiência subjetiva do que é tornar-se homem nesse início de milênio, diante da dissolução da dissolução de dois pólos importantes de ancoragem das identificações: O campo das trocas simbólicas e o campo da parceria amorosa/sexual.

Maria Rita Kehl