Um novo ideal masculino
por Contardo Calligaris *
publicado em 13/7/2009.
VOCÊ SE lembra de Gordon Gekko, o protagonista do filme "Wall Street - Poder e Cobiça", de Oliver Stone, de 1987? Na Nova York dos anos 90, Gekko foi o ídolo dos que tentavam fortuna no mercado financeiro. Graças a Gekko, eles se sentiam autorizados; repetiam, como um mantra: "A ganância é uma coisa boa".
Gekko juntava num único ideal o sonho de fazer dinheiro e o desejo de viver perigosamente, conciliando as duas figuras tradicionais do ideal masculino: o provedor e o aventureiro (fora ou acima da lei).
Funcionou durante mais de uma década. Uma geração inteira viveu sua cobiça como uma proeza gloriosa: "Olhe, fiz meu primeiro milhão de dólares, e tudo isso na corda bamba. Sou o Philippe Petit das finanças; ele caminhava entre as Torres Gêmeas, enquanto eu avanço no vazio, acima de Wall Street, e logo comprarei para você, mãe, a casa na Flórida que você sempre quis".
A corda era bamba mesmo, e, em sua queda, os aventureiros gananciosos à la Gordon Gekko levaram consigo um monte de pequenos provedores "sem ousadia", que contavam com sua poupança para envelhecer tranquilos. Hoje, em Nova York, ser corretor, mesmo multimilionário, não é um ideal praticável -ao contrário, tornou-se um ofício envergonhado. Com o que sonham, então, os meninos e suas mães?
Em nossas telas, os super-heróis continuam exibindo seus poderes, e há vampiros e lobisomens fascinantes que, às vezes, são "do bem". Todos eles alimentam a esperança de que nosso cotidiano (insosso?) seja apenas uma identidade secreta atrás da qual escondemos algum bizarro heroísmo; mas, convenhamos, eles são distantes demais, são ideais improváveis. Há policiais, bombeiros e militares, mas (hesitam as mães) eles ganham pouco e correm risco de vida. Há bandidos de sucesso, mas você já imaginou contar para amigas e vizinhas que seu filho está na lista dos dez mais procurados pela polícia federal?
Em suma, com o fim de Gekko, falta um ideal masculino que seja distante (como deve ser um ideal), mas mesmo assim alcançável para quem não nasceu em Kripton ou não foi mordido por Drácula - também um ideal que seja honrado e não exponha os meninos a riscos letais.
A eleição de Barack Obama à presidência dos EUA não foi só um marco político; está também transformando os ideais masculinos.
Obama é um paradigma triunfal (a presidência americana, ainda mais para um negro, é façanha de super-herói), mas, ao mesmo tempo, ele é um homem comum, um "americano tranquilo". Ele não esbraveja, conversa com seus adversários, e já foi um ativista social (generoso, portanto). Em Obama, o esporte extremo do poder se concilia com a vida de família mais tradicional: à noite, jogos de mesa com as crianças e, no domingo, serviço religioso. Quando, duas semanas atrás, Barack e Michelle saíram sozinhos para um jantar romântico, Jon Stewart (do "Daily Show") protestou: "Como a gente vai competir com isso?" e apostrofou Obama: "Pega leve, cara" (Folha, caderno The New York Times de 22 de junho). Stewart tem razão: Obama não é só o homem que muitas mães gostariam que seus meninos fossem mas também o homem com quem elas gostariam de casar.
Se esse ideal triunfar na cultura dos EUA (repertório tradicional do heroísmo masculino), ele poderia transformar as aspirações dos meninos pelo mundo afora: saem os justiceiros e os pistoleiros, os astronautas, John Wayne e seus paraquedistas, Burt Lancaster no seu submarino, Robert de Niro e sua roleta-russa, Leonardo di Caprio na proa do Titanic, e entram de vez Gregory Peck de "O Sol é para Todos" ou Sidney Poitier e Spencer Tracy de "Adivinhe Quem Vem para Jantar". O mundo agradeceria.
Claro, ninguém é ingênuo: a mudança acarretaria sua parte de opressão, sobretudo para quem não é muito caseiro, mas essa é outra história.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
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