sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


Feliz Ano Novo

por Jorge Forbes

A psicanálise tem algo a dizer sobre as boas intenções do Ano-novo? Sim, tem. Ao menos em dois aspectos. “Você quer o que você deseja?“, seria o primeiro; o inexorável da surpresa, o segundo. Muitas das promessas ficam só nas promessas, porque é bastante comum não se querer o que se deseja. Esse aspecto até auxilia os analistas no diagnóstico. Obsessivos seriam os que só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtêm, desejam sempre outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta – toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa.


Então, no Ano-novo, uma promessa analítica, se existisse, seria suportar querer o que se deseja e não temer a surpresa do próprio Ano-novo. O momento mesmo do réveillon é o melhor exemplo do imprevisível: embora todo mundo saiba quando ele vai nascer, embora (tal qual obstetras do futuro) acompanhemos a contagem regressiva do nascimento em voz alta, não conseguimos evitar a curiosidade entusiasmada de ver sua cara em meio à sinfonia dos fogos de artifício e das bolhas de champanhe.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

‎" O adulto permancece o filho do homem: a psicanálise mostra que ao criançar-se nas palavras o homem as cria com o que poetisa sua singularidade. O que não quer dizer que a psicanálise pretende uma saída individualista. Não há sujeito sem outro, diz Lacan. E sempre haverá um outro, com sua diferença e sua forma de gozo." Antonio Quinet e Sonia Alberti

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011



Felicidade?

Disse o mais tolo: "Felicidade não existe."
O intelectual: "Não no sentido lato."
O empresário: "Desde que haja lucro."
O operário: "Sem emprego, nem pensar!"
O cientista: "Ainda será descoberta."
O místico: "Está escrito nas estrelas."
O político: "Poder"
A igreja: "Sem tristeza? Impossível.... (Amém)"

O poeta riu de todos,
E por alguns minutos...
Foi feliz!

(O Teatro Mágico)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Discurso Amoroso


O outro fica desfigurado pelo seu mutismo, como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]

Este amor revelado num dizer maciço assemelha-se ao dizer psicótico; parece-me que a condição do amor psicótico não leva em conta a distância dos corpos, esta distância que aprendemos a respeitar e que às vezes nos parece insuportável: “A gente sabe guardar distância: à mesa, no trabalho, na rua, existe um espaço devido. Se me aproximo demais, coro, desculpo-me. Por que tal distância? Eu quero companhia e quero solidão, mas a distância convencional é menor que a pedida pelo desejo de estar comigo e muito maior que a proximidade consoladora dos amigos que faltam.”

A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!

Mas seria mesmo só da loucura todas estas atribuições? Me parece que o ser apaixonado também almeja algo parecido: fazer de dois - um. O ser apaixonado elege o seu amado`a condição de único, onipresente em seus pensamentos e em seu corpo. Onipotente em suas capacidades. Me parece que o ser apaixonado alcança o impossível, e por ser o impossível, não perdura. O impossível é dar nome a algo inominável, é se apropriar de algo inapropriável."

“Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído:Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo; quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Preciso de Você

Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar seu êxtimo, de meu íntimo

A jornalista me pergunta impressionada a razão de novas pesquisas constatarem que, contrariamente ao que muitos esperavam, o povo da internet cada vez mais associa seus passeios na rede com a necessidade de estar junto. Esse fato relativiza as críticas morais que bradam ameaçadores avisos anunciando que o mundo estaria perdido, pois a www - World Wide Web – seria uma teia perigosíssima que estaria aprisionando nossa pobre juventude, em um isolacionismo narcisista e emburrecedor.

Essa notícia chega ao mesmo tempo em que o Papa se precipita em condenar um aplicativo para smart-phones, através do qual o fiel antenado se confessaria on line, sem a necessidade de se ajoelhar na madeira dura de um confessionário escurecido por muitos pecados ali penitenciados. Ao menos dessa vez, ufa!, o Papa mostrou que “tá ligado”, pois a web não substitui a presença física.

Na mesma vertente, podemos falar da repetitiva pergunta se é possível fazer análise por skype, ou serviço semelhante, sem ter que se preocupar com o terrível trânsito das grandes cidades, bem como se garantir em ter seu analista à mão, ou melhor, na tela, entre um mergulho e outro, em uma ilha paradisíaca, do outro lado do mundo.

Não dá. Há um quê na presença física que é insubstituível. E se dizemos “um quê” é exatamente pelo fato de não podermos precisar o que é isso da presença física que não sabemos traduzir em nenhum idioma e por nenhum meio, razão pela qual não a podemos substituir, pois, como celebrou Michel Foucault: “a palavra é a morte da coisa”; se falamos de algo, substituímos o algo pela palavra e não precisamos mais dele.

Em um mundo que quebrou os paradigmas cartesianos de espaço e tempo, jogando-nos no furacão do ilimitado sem fronteiras, não há nada a estranhar na necessidade da presença física do outro, do corpo do outro, do seu enigma, do cheiro, cor, som, movimento, textura, olhar, que não sabemos traduzir em bytes. Esse enigma do outro é o remédio para a angústia tão atual, por nos termos visto transformar em habitantes de lugar nenhum.

Seis mil moças e moços geeks se acotovelaram por uma semana, em São Paulo, em uma festa chamada Campus Party. Seis mil!, em um pavilhão de exposições. É tão importante estarem juntos, que um nipo-brasileiro, morando ao lado do local da festa, trocou o conforto de seu quarto, por uma tendinha de campanha, verdadeiro elogio do desconforto.

A presença do outro nos remete ao mais essencial de nós mesmos. Se fôssemos honestos, parodiando Vinícius, jamais diríamos expressões do gênero: “no meu íntimo”. E isso porque o que nos escapa é exatamente o nosso íntimo. Diríamos, melhor, com Lacan: “no meu êxtimo”, sim, porque o meu íntimo me é tão estranho – quem já passou por uma análise sabe bem o que estou descrevendo – que melhor chamá-lo de êxtimo, clara alusão ao estranho e ao externo de si mesmo, que habita cada um.
Podemos nos livrar de muita coisa na vida, mas não da gente mesmo, em especial desse ponto íntimo desconhecido, promotor de nossas paixões, essa força estranha vivida na sensação do “mais forte que eu”. A presença física do amigo, do amado, do familiar, do próximo, nos reconecta com esse ponto fundamental, âncora de nossas existências, ponto transcendente de nossa imanência, se quisermos nos valer do discurso da Academia.
Nesse mundo de aparente tudo pode, e de em tudo estou, não por isso devemos nos assustar que ao lado do aumento dos acessos aos meios virtuais, vejamos crescer em paralelo os lugares de encontro físico, sejam eles campus parties, igrejas, consultórios, bares, cruzeiros. Os motivos são variados e o que neles se realiza, também, mas a necessidade é uma só: estar junto. Na era da pós-modernidade, onde o laço social das identificações é predominantemente horizontal, nos damos conta que o principal afeto, o mais fundamental afeto, é o da amizade. Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar o seu êxtimo, de meu íntimo.

Jorge Forbes

domingo, 20 de novembro de 2011

Mais frases de Jorge Forbes

Jorge Forbes

Todo saber é incompleto e cabe a cada um se responsabilizar por completá-lo com a sua subjetividade.

A felicidade só se alcança no acaso, na surpresa do encontro.

Felicidade se dá quando a angústia da surpresa não impede a reinvenção do gosto.

Não importa o tamanho da platéia, o que importa é não recuar sobre a diferença que se é.

INFOXICAÇÃO é o novo termo inventado para nomear a avalanche de informações.Querem ver doença em tudo, querem medicalisar a vida.

Com medo de ser engolido pelo Outro, a pessoa de sucesso pode se mostrar carne podre envenenada.

Não existe uma pessoa atrasada que não tenha uma excelente explicação pelo seu atraso.

Pensando bem: ser sincero não tem nada a ver com ser verdadeiro.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Frases de Jorge Forbes


Frases de Jorge Forbes

Para Lacan, na psicanálise, trata-se de provocar vergonha. O que isso significa? Em nossa leitura, a vergonha é o fundamento da responsabilidade, porque a vergonha é marcada pelo estranhamento de si mesmo.

O que faz durar a possibilidade de uma pessoa pensar ser feliz? Provavelmente a sua capacidade de manter viva a responsabilidade por sua singularidade e a invenção de soluções que consiga sustentar no mundo.

Entrar em análise é sair de uma moral dos costumes e se instalar na ética do desejo.

É a certeza do impossível que nos possibilita começar do novo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O sentido faz falta?


É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: “Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro”.

Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: “Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?”. Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: “Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?”. Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo “necessário” para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma. Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar “curar” a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido. A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto. Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O esoterismo “new age” nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, “La Ragazza Indicibile” (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos “viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério”.

C. Calligaris

domingo, 6 de novembro de 2011

O segredo da vida de um casal


Receita do amor que dura: amar o outro não apesar de sua diferença, mas por ele ser diferente.


Em geral , na literatura, no cinema e nas nossa fantasias, as histórias de amor acabam quando os amantes se juntam (é o modeloCinderela) ou, então, quando a união esbarra num obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta). No modelo Cinderela, onarrador nos deixa sonhando com um “viveram felizes para sempre”, queseria a “óbvia” conseqüência da paixão. No modelo Romeu e Julieta, afelicidade que os amantes teriam conhecido, se tivessem podido sejuntar, é uma hipótese indiscutível. O destino adverso que separou os amantes (ou os juntou na morte) perderia seu valor trágico seperguntássemos: será que Romeu e Julieta continuariam se amando com afinco se, um dia, conseguissem deitar-se juntos sem que Romeu tivesseque escalar a casa de Julieta até o famoso balcão? Ou se, em vez de enfrentar a oposição letal de suas ascendências, eles passassem osdomingos em espantosos churrascos de família?

...

Se amo e admiro o outro por ele ser diferente demim (e não apesar de ele ser diferente de mim), não posso considerarque minha maneira de ser seja a única certa.

...

vida de casal numaaventura fascinante: a aventura de sempre descobrir o outro, cujadiferença inesperada nos dá, de brinde, a certeza de que nossaobstinada maneira de ser, nossos jeitos e nossa neurose não precisamser uma norma universal, nem mesmo a norma do casal. Há quem diga que oparceiro ideal é aquele que nos faz rir.


C. Calligaris

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Diz uma história antiga, que os deuses tinham muito medo de que o ser humano fosse perfeito, pois, se assim fosse, não precisariam mais deles. Resolveram reunir-se para decidir o que fazer. O mais sábio dos deuses disse:

- Vamos dar ao homem tudo o que pudermos, menos o segredo da felicidade.

- Mas os humanos, como são muito inteligentes, vão acabar também por por descobrir esse segredo! - disseram os outros deuses em coro.

- Não, isso não vai acontecer - disse o sábio. - Vamos esconder a felicidade num lugar onde eles nunca irão encontrar: dentro de eles mesmos!

http://lamarfazbemporlucilazevedo.blogspot.com/

domingo, 30 de outubro de 2011

Expectativas


O fato é que somos complacentes com as expectativas dos outros (que amamos ou não) à condição que elas nos convidem a desistir de nosso desejo. É isso mesmo, a frase que precede não saiu errada: adoramos nos conformar (ou nos resignar) às expectativas que mais nos afastam de nossos sonhos[...]Desistindo de nossos sonhos, evitamos fracassar nos projetos que mais nos importam.

Calligaris

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Lágrimas Ocultas




Se me ponho a cismar em outras eras
em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O peso da feminilidade





O que têm em comum a arte, a psicanálise e a feminilidade?
Que as três andem às voltas com a falta – até aí, nada de novo.
Mais vale dizer que a partir da falta, ou do vazio, ou de como
quer que se nomeie isto que não há, tanto a psicanálise
quanto a arte são expressões do inacabado – o que faz com
que só existam em estado de constante mutação.
A feminilidade, não como aquilo que é próprio das mulheres
mas como aquilo que sabe gozar um pouco além do falo,
nem sempre se põe mutante -
mas tem certamente este potencial.
Uma vez que não gira (apenas) em torno do falo,
pode arriscar movimentos
centrífugos em direção a não sei onde.
Uma vez que não se constitui a partir
de uma obsessão em evitar a castração,
a feminilidade é um modo de gozar
que pode arriscar um pouco mais na direção
de uma desmesura, ou seja,
que aceita correr o risco de esbarrar na angústia,
ou mesmos de ir um pouco além.
Daí que, é claro, todo artista, seja homem ou mulher,
acaba (ou começa) por
saber algo a respeito da tal feminilidade.

Na obra de arte autêntica o artista inventa sempre.
Uma vez terminada, a obra torna-se outra coisa.
Pois, de uma forma ou de outra, a arte é sempre um começo.
Quem disse isto não foi uma mulher: foi Picasso.
Um que agüentava melhor do que ninguém o desafio
de começar do nada, a partir da sucata, do lixo,
do papel rasgado, e produzir – sobretudo em sua escultura –
não o monumental mas o efêmero, não o objeto pronto e
acabado que simula a Coisa mas uma coisa,
despretensiosa - assim mesmo, com letras minúsculas.
[...]
O campo da arte interroga a psicanálise, desloca nossas certezas,
nos obriga sempre a repensar a teoria - como escreve
Jaime Betts, é importante que as questões que a obra de arte
suscitam possam permanecer em aberto. Assim, encerro este
prefácio afirmando que, diante da arte, seja ela obra de homem
ou de mulher, todas as nossas certezas a respeito da mínima
diferença que é condição do desejo sexual caem por terra.
Deixemos que os artistas continuem a falar disso e a
nos fazer rever a teoria. Mas saibamos também que a
melhor interpretação para uma obra de arte nunca
se dá no campo da teoria; a melhor interpretação para
uma obra de arte há de vir, sempre, de outra obra de arte.
(Maria Rita Kehl)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Não existe explicação para ser tomado de amor, alegria e gratidão. Um dia, simplesmente, as coisas fazem sentido, principalmente situações aparentemente desagradáveis do passado. Então você percebe que quando não conseguia andar, é porque estava aprendendo a ficar parado pra pensar mais, observar mais, cuidar de outras coisas que estavam sendo negligenciadas pela sua falta de tempo. A gente corre demais o tempo todo, mas isto não faz o nosso dia maior, isto só faz o nosso dia ser mais cansativo e nos empobrece. Por isso as pessoas perdem a beleza da segunda-feira porque passam as horas todas da semana esperando a sexta. E pouco se dão de prazer quando chega o final de semana, porque além de tudo, se deprimem no domingo. Há tanto a ser vivido de maneira mais leve, mesmo dentro desse turbilhão de trabalho e estudo e corrida pra ver quem acumula mais bens materiais. E todos esquecem que o corpo pede um olhar mais minucioso, os dias pedem mais admiração, as pessoas são mais importantes que as coisas e os acontecimentos são aprendizados, eternos aprendizados. As pessoas estão esquecendo que têm o direito à escolha e que cada um tem que passar por todas as estações do ano. Tenham sensibilidade para que a arte, por exemplo, penetre verdadeiramente o coração de vocês. Tenham consciência que a espiritualidade é um ato de amor e liberdade. Tenham vontade de alegrias cotidianas se dando um pouco mais de mordomia emocional quando tudo está dando "errado". E exerçam o egoísmo vezenquando.

Marla Queiroz

domingo, 18 de setembro de 2011

Sonhos Renovaods


Sonhos renovados.

Inconsciente mostra-se,

Que namora outro alguém que não és tú,

Espera apenas a abertura para mostrar sua intensidade e impulsividade,

Mostrar o brilho e o deslumbre de minha alma.

Quanto a você... olha nos olhos de uma outra que não sou eu,

Desejando encontrar a mulher de sua vida, mas que não é, pois você deixou eu ir

O novo? Dá-me medo e a prazer, pois meu inconsciente o já namora,

Antes mesmo do “ Eu” saber.

E você? Continue procurando e eis seu fim, sem fim.

Andressa Furquim


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Raciocínios "motivados"


É BANAL reconhecer que mesmo nossos pensamentos mais racionais são parasitados por afetos e emoções. Ou seja, uma boa parte de nossos raciocínios são, de fato, "wishful thinking", meditações motivadas pelo desejo. Em 2002, aliás, um psicólogo, Daniel Kahneman, ganhou o Prêmio Nobel de Economia por trabalhos que mostram como os agentes econômicos (investidores, consumidores etc.) acreditam obedecer, em suas escolhas, a critérios racionais (utilidade, lucro, interesse), mas, de fato, são levados por emoções que eles desconhecem e que os impedem de calcular corretamente os riscos de seus atos. Outros pesquisadores chegaram mil vezes a conclusões parecidas analisando pensamentos políticos, nos quais a racionalidade é seriamente ameaçada por afetos e emoções. Isso, claro, sem que o sujeito pensante se dê conta da interferência. Recentemente, o "Journal of Cognitive Neuroscience" (revista de neurociência cognitiva, 18:11, 2006) publicou uma pesquisa, de Drew Westen e outros, que, pela primeira vez, comprova "materialmente" o peso das motivações afetivas e emocionais em nossos pensamentos. Os sujeitos da amostra deviam julgar, por exemplo, uma explicação fornecida por um político. Enquanto decidiam se a explicação lhes parecia plausível ou não, seu funcionamento cerebral era monitorado por ressonância magnética. Embora os sujeitos jurassem que eles estavam decidindo fria e racionalmente, suas escolhas implicavam uma intensa atividade de zonas cerebrais classicamente envolvidas na regulação afetiva, na defesa psicológica e no "viés de confirmação". O "viés de confirmação" é um funcionamento psíquico freqüente (e catastrófico) no diagnóstico médico, no discurso político e nas brigas de casais. Ele consiste no seguinte: o sujeito procura ativa e seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem sua hipótese ou o seu preconceito iniciais. O prazer de ter razão prevalece sobre argumentos e informações, produzindo cegueiras. Com a pesquisa de Westen, as neurociências afirmam algo que a psicologia (social e clínica) sabe há tempo: nosso raciocínio é influenciado por afetos implícitos que nos levam a "minimizar estados afetivos negativos e potencializar estados afetivos positivos". A gente pensa e escolhe não no interesse da verdade, mas para sentir-se bem. O próprio Westen reconhece sua dívida mais antiga: "Freud descobriu esses processos há décadas, usando o termo "defesa" para descrever os processos pelos quais as pessoas adaptam seus resultados cognitivos de maneira a evitar sentimentos desagradáveis como angústia e culpa". O que fazer com isso? É possível desistir da verdade, considerando que o mundo é um vasto teatro em que as subjetividades se enfrentam e que o que importa é apenas a versão de quem ganha a luta (retórica ou armada). Ou, então, talvez seja possível amparar a verdade, preservá-la de nossas próprias motivações. Podemos, por exemplo, desconfiar de nossas idéias, sobretudo quando nos sentimos particularmente satisfeitos com o entendimento da realidade que elas nos proporcionam. Pois a verdade (com o curso de ação que, eventualmente, ela "impõe") é geralmente pouco gratificante e de acesso trabalhoso.

Calligaris

terça-feira, 30 de agosto de 2011

FELICIDADE E ALEGRIA


“Ser alegre (muito melhor do que ser feliz) é gostar de viver mesmo quando a vida nos castiga”

Quando eu era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.
Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.


Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?


Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.
Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida -que ainda não chegou ou que já passou.
No filme de Arnaldo Jabor, “A Suprema Felicidade”, que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.
Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?


Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.
Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?
Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.


Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).
Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.


Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.


É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em “Amarcord” (1973), de Federico Fellini, em “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. “A Suprema Felicidade” me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.


Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.


Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.

CALLIGARIS

segunda-feira, 22 de agosto de 2011


Segundo pré-Encontro Com a Leitura dramática da peça "Cabeça de Camille Claudel", seguida de discussão.
Lembrando que o pré-encontro é gratuito e não necessita de inscrição prévia.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011



‎"Queria voltar a ser criança, porque os joelhos ralados curam bem mais rápido que os corações partidos".

(Clarice Lispector)

Solidão e Relações Afetivas


Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva. A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém.

Flávio Gikovate

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Você acredita em sorte ou azar?


A repetição de fatos positivos ou negativos em certas fases de nossa vida pode sugerir que existe um processo interferindo em nosso destino.

A toda hora dizemos: fulano tem muita sorte; tudo o que ele faz dá certo; sicrano é pé-frio, só tem azar. Afinal, o que será isso que chamamos levianamente de sorte e de azar, sem tentar entender? Será uma coisa ligada ao destino de cada pessoa, à vontade de Deus? Será mera coincidência? Será que existem processos psicológicos que ainda não entendemos muito bem e que predispõem algumas pessoas a ter sucesso nas suas empreitadas?

Não podemos continuar a pensar nesses processos como sendo simples coincidências. Pessoa com sorte no jogo ganham com uma freqüência muito acima do que se poderia esperar pela lei das probabilidades. Chamar apenas de coincidência as repetições de acontecimentos positivos ou negativos na história de vida das pessoas é negar a evidência de que algum outro fator está interferindo na evolução dos fatos. Aliás, essa concepção de que existem coincidências significativas e não apenas casualidades, foi uma das mais importantes contribuições de Jung à psicologia. A repetição de fatos positivos ou negativos que nos acontecem em série em certas fases da vida sugere a existência de algum processo interferindo em nosso destino. O pensamento científico não pode, pelo menos por enquanto, ir muito longe no sentido de estudar a influência de fatores sobre-humanos em nossas vidas. Porém, não creio que seja prudente descartá-los, pois também não temos dados para isso. A astrologia, a numerologia, o espiritismo e vários outros tipos de esoterismo tentam estabelecer regras a respeito das influências sobrenaturais às quais estariam submetidos. São coisas interessantíssimas e temos de continuar aguardando uma maior acumulação de informações para poder elaborar um julgamento a respeito delas, sem preconceito.

Alguns mecanismos psicológicos podem influir sobre o que chamamos de sorte ou de azar. É bastante provável que existam criaturas mais positivas do que outras. Nossa mente, quando funciona de forma mais otimista e com mais coragem de ter sucesso naquilo a que nos propomos, pode interferir muito nos resultados. Acredito que os fenômenos que chamamos de paranormais existam em todos nós, sendo mais eficientes em algumas pessoas do que em outras. O vendedor que estiver determinado a vender terá melhores resultados. O jogador de futebol com mais coragem para o sucesso disporá de muito mais chances. Ou seja, é bem provável que nossas mentes disponham de mais poderes do que aqueles que conhecemos e utilizamos. Algumas pessoas conseguem se utilizar, ainda que de forma intuitiva, desses outros poderes, obtendo resultados muito melhores. Essas são as pessoas de sorte. Os mesmos poderes poderão provocar, quando ativados negativamente, fracassos sucessivos, e as pessoas que padecem dessa tendência são as azaradas.

Ainda não sabemos como funcionam os processos parapsicológicos e por que algumas pessoas dispõem de certos dons – premonições, vidências etc. - e outras não. Mas não podemos continuar a negar a existência desses fenômenos e muito menos deixar de pesquisá-los, pois eles abrem perspectivas incríveis para uma melhor utilização de nosso potencial psíquico. Esses processos não são autônomos e dependem também de como funcionam nossos processos psicológicos mais conhecidos. Por exemplo, para que uma pessoa possa ter sorte é necessário que ela se permita coisas boas. Todos nós temos um determinado tipo de contabilidade interna, na qual uma certa quantidade de esforços dá direito a recompensas. Algumas pessoas se vêem com direito a uma boa quantidade de recompensas, mesmo sem se acharem com o dever de fazer grandes sacrifícios. Essas, é claro, são mais predispostas a ter sorte do que aquelas, muito rígidas do ponto de vista moral, que se sentem melhor quando obtém pouca recompensa com muito sacrifício. A moralidade na qual fomos criados, que dá grandeza e dignidade ao esforço, à renúncia e ao sacrifício, acaba nos levando para o caminho do azar, porque nos impede grandes benefícios sem grandes privações. A sorte é, ao contrário, um amontoado de ganhos que resulta de pouco - ou nenhum - esforço. São poucas as pessoas de caráter que se permitem isso. E, quando abrem as portas da sorte, em um determinado setor da vida, costumam fechá-las em algum outro igualmente importante. Isso explicaria, por exemplo, a concepção de que aqueles que têm sorte no jogo terão azar no amor.

Nada é mais fascinante do que nossa mente. Não me canso de pensar sobre nossos mecanismos íntimos e gostaria de ser capaz de transmitir o meu entusiasmo. Temos de ler muito, pensar muito, conversar muito, pois tenho certeza de que esse empenho será muito bem recompensado.

Flávio Gikovate

sábado, 6 de agosto de 2011

NARCISISMO DE HOMENS E MULHERES



Muitas culturas (não só a nossa) preferem que, no início do jogo amoroso, os homens façam o primeiro passo. Ultimamente, o recato deixou de ser uma qualidade feminina essencial: uma mulher que se arrisque a ser a primeira a mostrar seu interesse não é mais uma atrevida (ou pior). Mas o hábito permanece: "Que os homens se manifestem, e as mulheres aceitem ou rejeitem".

Há, nesse costume antigo, uma certa sabedoria, pois, para os homens, em geral, é mais fácil lidar com uma negativa. Raramente a recusa os leva a uma dúvida radical sobre eles mesmos. Muito antes de perguntar-se "Será que não sou aquela maravilha toda que minha mãe e minhas tias diziam que eu era (e, se não disseram, deveriam ter dito)?", os homens conseguem inculpar detalhes contingentes ("Hoje, excepcionalmente, o desodorante me largou") e, sobretudo, acusam a própria mulher que os recusou: se ela não quis, é porque é "uma puta". Paradoxal, não é?

Pois é, mas o paradoxo é revelador. Para o homem, como era de esperar, a única que não seja "puta" é a mãe, que, supostamente, gostava e gosta só dele.
As outras, que não se extasiam diante de seus vagidos, são "putas" porque podem lhe preferir terceiros quaisquer. Por sorte (de todos nós), essa "segurança" narcisista do homem tem uma pequena falha: a própria mãe, por mais que se extasiasse com ele, fechava-se no quarto com o pai, de vez em quando (para o menino, aliás, não é um bom negócio que a mãe se esqueça de ser mulher).

Seja como for, o narcisismo masculino não se deixa abalar por uma recusa. A convicção de ter sido objeto exclusivo e insubstituível do amor materno é um recurso (quase) seguro: "Pouco importa que as outras não gostem de mim, pois a única que importa gostava e gosta".

Para a maioria das mulheres, acontece o contrário. Uma recusa e uma negativa valem como uma espécie de confirmação do que era suspeitado por elas desde sempre: "Não agrado e nunca fui verdadeiramente amada".

Hoje, depois de décadas de um lento processo de mudança cultural em que o feminino foi valorizado, afirma-se que o amor de mãe é o mesmo para menino ou menina. Mas a "Escolha de Sofia" (o romance, note-se, foi escrito por um homem) seria, provavelmente, a mesma: acuada, tendo que escolher entre o filho e a filha, Sofia ainda salvaria o menino.

O sentimento de que um filho satisfaz a mãe mais do que uma filha continua na cultura, solidamente.
Quer seja pela ilusão de que o filho homem não sumirá pelo mundo afora, mas, por eternizar o sobrenome, ele ficará na tribo (perto da mãe).

Quer seja pela sensação de completude que talvez acompanhe a constatação materna de ter conseguido dar à luz um ser tão diferente dela, um ser do outro sexo.

A conseqüência dessa disparidade do amor materno é a tragicomédia cotidiana, em que uma mulher, mesmo em seu melhor dia, precisa perguntar a seu companheiro se ele a acha bonita. E um homem, deformado por churrascos e cerveja, julga-se irresistível.

Em suma, homens e mulheres, em geral, padecem de narcisismos diferentes: o homem é blindado por uma segurança eficiente e um pouco obtusa, e a mulher é constantemente exposta ao risco de um dúvida radical sobre o amor que ela recebe.

O discurso comum pensa que a mulher, mais cuidadosa com sua aparência, seja "mais narcisista" do que o homem.

Não é nada disso: o homem vive um narcisismo valentão, enquanto a mulher não pára de questionar: "Será que gostam de mim?". Corolário: a mulher, por isso mesmo, é melhor psicóloga do que o homem -mais perspicaz na leitura das palavras e dos gestos dos outros.

Conclusão: a rejeição, para uma mulher, é uma experiência que coloca em perigo sua precária certeza de ser aceita no mundo, é uma experiência que abala seu ser, que a fere além da conta. Inclusive além da conta possível de perdas e danos numa separação.

C. Calligares



terça-feira, 2 de agosto de 2011



Observando dentro do guarda-roupa, ainda permanece pendurada a bata indiana que era sua e que você me deu. Me pergunto porque não a joguei fora, doei, queimei ou então porque não comecei a usá-la. Me angustia não conseguir fazer nada com ela, nem dar sumiço e nem utilidade. Talvez porque junto com qualquer uma dessas possibilidades esteja o sentimento e a lembrança de quanto afeto havia presente naquele momento. Do quanto foi simbólico você me vestir com o que você usava. No momento da entrega despíamos as nossas máscaras e defesas, queríamos tanto nos tocar e nos enxergar em essência. Vestir o que era seu em mim. Misturar o que era seu com o meu, a isso você chamava de nosso. De essências descobertas, descobrimos também nossos abismos, sua escuridão. A imagem refletida na íris era espelho para as sua falhas, frustrações. Sentimentos tão demasiadamente humanos, mas você com toda a sua síndrome de super-homem, não suportou. Ao invés de cuidar das feridas, quebrou-se o espelho para não precisar enxergá-las. Ainda não consegui concluir o cálculo que soma e subtrai os dias de céu e de inferno que você me proporcionou, não cheguei ao resultado total. Roupa de brechó ou peça única. Não me visto mais de você.

A.D.

domingo, 31 de julho de 2011



Olhando a foto, foi quando eu descobri que tua ausência inda doía e o tempo que passou não me serviu como remédio. E a minha paciência foi inútil e todo desapego incompetente. Eu me desvencilhei de livros, cartas e bilhetes e me desmemoriei por algum tempo.(Quis tanto ter você, depois silêncio). Mas nessa tarde estranha em que ensaio versos, só vem tua falta à tona...E eu desamarro um pranto que eu sei tão antigo...(Desculpa essas palavras com cara de choro): ainda há reticências.
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Marla de Queiroz

segunda-feira, 25 de julho de 2011

"E mesmo sorrindo por ai, cada um sabe a falta que o outro faz. Nunca mais se viram, nunca mais se tocaram e nunca mais serão os mesmos. É fácil porque os dias passam rápidos demais, é dificil porque o sentimento fica, vai ficando e permanece dentro deles. E todos os dias eles se perguntam o que fazer. E imaginam os abraços, as noites com dores nas costas esquecidas pelo primeiro sorriso do outro. E que no momento certo se reencontrem e que nada, nada seja por acaso."

Caio Fernando Abre

quinta-feira, 21 de julho de 2011




"A mãe deve ser capaz de tolerar o sentimento de ódio contra o bebê sem fazer nada a esse respeito. Ela não pode expressá-lo para ele. no caso de temer a sua própria reação, ela não conseguirá odiar adequadamente quando machucada, e poderá cair no masoquismo, e a meu ver é isto que leva a falsa fantasia de um masoquismo natural às mulheres. O ponto mais interessante a respeito da mãe é a sua capacidade de ser tão agredida e sentir tanto ódio por seu bebê sem vingar-se dele, e sua aptidão pra esperar por recompensas que podem vir ou não muito mais tarde. Quem sabe recebe alguma ajuda das canções de ninar que ela canta e que felizmente o bebê não pode compreender?"

(Winnicott)

"Se algum dia ocorrer de escreveres a meu respeito ... sê sensível o bastante - como ninguém o foi até agora - para caracterizar-me 'descrever' -mas não 'avaliar'."

(Nietzsche)

segunda-feira, 18 de julho de 2011




Desculpa por eu não ser assim ou de outro jeito. Saiba que eu tentei de tudo. Usei todas minhas armas, todos os meus planos, todas frases de efeito que tentava criar antes de você chegar. Embora o plano “B” nunca funcionara. Embora fora desarmado, ainda penso – e escrevo – coisas que eu gostaria de falar. Coisas que eu gostaria de ouvir. E a partir do momento que escrevo, eu ouço e falo contigo. Eu ouço, falo, você entende, eu entendo. Porque você existe nas minhas palavras, nos meus planos, nos meus sonhos. Porque você existe em mim.
Apesar das palavras, que junto com o maior carinho, nunca te tocarem do jeito que eu sempre imaginei, continuo, não obstante, escrevendo e crendo que alguma hora irei acertar.
Desculpa por errar. Por tentar mais do que deveria. Por ser assim... (Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A escola do macho


O machismo, o que é? É a masculinidade acuada. Na falta de entender o que é ser um homem e qual a diferença fundamental que permite que um homem situe seu desejo em relação a uma mulher, o macho acuado interpreta o enigma da diferença entre os sexos como uma desigualdade de valor. Segundo a lógica da masculinidade acuada, do homem inseguro diante do enigma da diferença sexual, as mulheres não seriam diferentes dos homens – seriam inferiores. A prova disso – como são resistentes à evolução dos costumes as teorias sexuais infantis! – é que lhes falta alguma coisa no corpo, bem onde, nos homens, o falo se evidencia.

Isto se “aprende” em casa, isto é: na passagem pelo complexo de Édipo. A estratégia machista do menino se torna ainda mais consistente se a fantasia da inferioridade feminina também funcionar na relação entre o pai e a mãe.
A escola talvez seja o espaço privilegiado, hoje, do “politicamente correto”. Não sei se a escola, enquanto instituição, reproduz os pressupostos da superioridade masculina. Mas infelizmente (ou por isso mesmo?) não é a escola que socializa nossas crianças. Antes dela, está a televisão. E dentre a aparente variedade de mensagens veiculadas pela televisão, a hegemonia é da publicidade. A publicidade representa, ainda que não tenha esta intenção, a segunda escola do sexismo contemporâneo. É na publicidade que as crianças, meninos e meninas, “aprendem” a equivalência entre os corpos femininos e as mercadorias. O corpo da mulher serve para agregar valor a todos os objetos em oferta no mercado. Uma mulher vale uma cerveja; vale um cartão de crédito; vale um automóvel; vale um analgésico; um provedor da internet; uma marca de tintas; um banco.

Dizer que a publicidade ensina que o valor das pessoas se mede pelo que elas podem comprar já é um truísmo. Só que as mulheres, ou melhor, os belos corpos das belas mulheres, já não se servem das mercadorias, mas servem a elas. Há exceções. Algumas valem mais do que o produto que anunciam. Não necessariamente as mais bonitas. Nem as mais talentosas: as mais caras. Uma Daniela, uma Gisele – estas não se vendem a qualquer um. Diante dos cifrões que reluzem no sorriso delas o macho comum se curva, inferiorizado. E vai descontar nas outras – essas rampeiras baratas! – sua nova humilhação.

Maria Rita Kehl

sábado, 2 de julho de 2011


"Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História."

(Soren Kierkegaard)