sábado, 11 de julho de 2009

Corpo, Imagem, Desejo

"Sabemos que não. Hoje nos torturamos, antes de tudo, em nome do – desejo. Escravizamos os corpos para tentar fazer deles o objeto incontestável e unânime do desejo. A confiança de nossa cultura na ciência chega a ponto de acreditarmos que a indústria médica e farmacêutica teria desvendado, afinal, o mistério que cerca o objeto do desejo humano. Ao acreditar piamente no poder da imagem, pensamos ter finalmente enquadrado o desejo (inconsciente) sob o domínio do ego: desejar e fazer-se desejar seriam, de acordo com a idolatria pós-moderna, uma questão de perícia técnica.
Não nos deixemos enganar: o que parece uma afirmação triunfante do direito a desejar na verdade é um recuo ante o desejo. É claro que toda sedução, a serviço do desejo sexual, comporta um artifício. Os adornos corporais, os olhares e frases insinuantes, a sensualidade sugerida em gestos e posturas – todos os recursos mobilizados pela sedução visam a produzir, no outro, a esperança de que o sedutor detenha o objeto do desejo que o seduzido desconhece, já que o desejo é, por definição, inconsciente. “Eu sei o que você deseja/ eu tenho o que você deseja”, promete o sedutor com seu jogo de esconder e desvelar. O desejo, por desconhecer seu objeto, é facilmente mobilizado pelo artifício que vela, no corpo, o que de fato não está lá. Nem lá, nem em lugar nenhum."

Maria Rita Kehl,Ciências do desejo: Considerações sobre um saber que não se sabe. Texto disponível em: www.mariaritakehl.psc.br/

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