quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Bela Vida, Boa Morte I
Morra jovem e seja um belo cadáver (Oscar Wilde)
Não é moderna a idéia de que a uma vida bem vivida deve corresponder uma boa morte. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, já escrevera que a qualidade da vida de um homem só pode ser avaliada no dia de sua morte. Não só porque a morte permite medir, em retrospecto, o vivido – a morte completa o sentido da vida – mas também porque uma morte indigna, ou um ato indigno cometido no último minuto, pode desfazer o efeito de toda uma vida vivida de acordo com o que, para os gregos, consistia o Bem Supremo.
. O que a modernidade acrescentou ao ideal aristotélico foi o debate sobre o direito ao suicídio, cuja antiga grandeza trágica foi abolida pelo cristianismo. O direito de escolher a própria morte é a confirmação radical da liberdade humana – daí a frase de Albert Camus, para quem o suicídio seria a única questão filosófica verdadeiramente importante, máxima expressão de autonomia dos homens em um mundo sem Deus. O problema colocado pelo suicídio é que, se é legítimo desejar a morte, a vida deixa de ser um bem absoluto.
Em 1920, Freud escreveu que o sentido da vida é dado pelo princípio do prazer. De lá para cá, a discussão sobre o preço e os riscos da liberdade cedeu lugar às demandas hedonistas, próprias das sociedades de mercado em estágio avançado. O debate filosófico sobre a liberdade, hoje, reduziu-se à dimensão mesquinha dos direitos do consumidor. Ser livre, nesse caso, significa pouco mais do que escolher o que se quer comprar. O problema existencial contemporâneo é saber como abolir, da vida, todo sofrimento. Se possível, aboliríamos a morte; há quem aposte nisso – e mande às favas, ao encomendar o congelamento do próprio corpo até o século XXII, todas as interrogações filosóficas sobre a finitude da carne e a imortalidade da alma. Mas se a morte for inevitável, que seja possível pelo menos viver o tempo que nos cabe sem ter notícias da dor. [...]
Maria Rita Kehl
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