segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
SOBRE O AMOR
No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do amor caminha a sexualidade. Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se
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“ O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer para deslizar os pronomes : Eu falo e você me ouve, logo nós somos (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável) , me vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou coisa indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei monumentalmente.
(O outro fica desfigurado pelo seu mutismo, como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]
A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!
“Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído: Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo; quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”[5]
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"O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço."
ResponderExcluir"A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros?"
Pra mim esses são os trechos-chave desse post. E é assustador constatar o quanto esse sufocamento e essa loucura são frequentemente engendrado pelas relações.
Não por acaso, em psicanálise, denominamos o ser amado como 'Objeto amoroso'. A vida amorosa se torna mais saudável na medida em que é possível entender e suportar que o outro deseja também outras coisas além de nós. Suportar essa constatação sem nos matarmos e sem matar o outro. E não é pouca coisa!
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