Em outro artigo você afirma que as pessoas andam “tão preocupadas em preservar suas liberdades individuais que acabam por preservar a sua solidão”. É verdade?
Eu acho que, em vez de fugir dos relacionamentos, seria menos custoso inventar maneiras de convivência em que a gente pudesse pagar um pouco menos do que a solidão. A gente tem muito a inventar na maneira de um casal conviver e negociar a individualidade um do outro. Defendo as uniões duradouras, porque são mais interessantes. Acho que muitas separações — mas, cuidado, não todas, longe disso — são efeito de preguiças diversas. Então, valorizo os esforços dos que tentam ficar juntos.
Ainda sobre relacionamentos, você sempre pergunta: “Qual é a melhor viagem, visitar as capitais européias num ‘tour’ de 15 dias ou passar duas semanas numa cidade só e conhecê-la um pouco?”. O que quer dizer?
Quero dizer que a diversidade das relações é dramaticamente desinteressante. A grande maioria das pessoas vive uma série de monogamias. São poucas as que preferem uma vida de quinze capitais em quinze dias. E a verdade é que isso é muito pouco interessante. Porque não existe nada de mais interessante no mundo do que as pessoas. E, se você inventa um sistema de relações que na verdade é um sistema de não-rela-ções, se priva do que há de melhor na vida.
Mas não há um certo prazer na variedade?
Não é a variedade, mas o desconhecido que tem valor erótico. Se você está disposto a ter uma transa num canto escuro de um parque com alguém que nunca viu, isso é uma fantasia sexual do caramba. Só não esqueça a camisinha. Mas ser galinha e ter um flerte com uma conversa babaca a cada dois dias não tem interesse nenhum, nem sexual, nem individual. Entendo perfeitamente uma atividade sexual de sauna, de clube de swing, mas essa do “eu flerto, bato um papinho, dou dois beijos e passo para outra” não tem nenhuma graça.
Fidelidade é essencial num relacionamento?
[Pensa] Não tenho valores absolutos sobre isso. Mas existe a ideologia, muito cool, de que “tudo bem, nós somos liberados, transa com quem você quiser e eu também”. Só que, na maioria dos casos, os dois vão sofrer uma barbaridade com isso: vão ter ciúmes, morder as unhas, se odiar e acabar numa merda. Na grandíssima maioria dos casos é uma mentira.
Existe uma apologia do não-compromisso?
É possível. O que me espanta na geração dos meus filhos, que têm entre 19 e 24 anos, é que eles se engajam em relações importantes, que duram anos, mas só são possíveis numa espécie de negação absoluta. É evidente que estão construindo uma vida a dois, monogâmica, mas existe uma atuação teatral do não-compromisso, uma negação da retórica do amor. Agora, eles praticam a fala de nenê. Nê-nê-nê! [Gargalhadas] Isso é uma praga!
Que outras diferenças você vê?
Outra coisa que noto é que eles não parecem tão interessados pelo sexo quanto a minha geração. A liberação sexual nos anos 60 era um tema ideológico. Era uma obrigação transar em grupo, trocar de parceiro na cama… E acho, mas pode ser só impressão, que a atividade fantasmática sexual é pouco presente nos jovens de 20 anos agora. Isso pode até ser positivo, porque diminui as expectativas… Mas, não sei. Acho menos divertido.
Por que as novas gerações estariam menos interessadas em sexo?
A velha idéia é de que a proibição fazia o “sal” da coisa. E uma vez que a sexualidade foi liberada… Mas não acredito nisso. A hipótese que levanto é que a nova geração erotiza menos as relações de domínio. E, portanto, falta o elemento que era para as gerações precedentes uma das fontes essenciais da excitação. Quando falo “erotizar as formas de domínio”, não significa nada de espantoso. É aquele casal que se adora e na hora da transa ele diz “toma aqui, sua puta!” e os dois gozam freneticamente. A pergunta é: as novas gerações são capazes de inventar uma sexualidade diferente? É possível. Mas esse déficit é visível na indústria da “mascarada sadomasoquista” e nos filmes pornôs, em que um strip ou uma transa não interessam mais — o negócio é “a puta violentada pelo policial”. Também há um fundo sadomasoquista no movimento gótico, no punk, nos vampiros, na cultura da tatuagem e do piercing.
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