sexta-feira, 18 de março de 2011

Entrevista Calligares


Dizem que brasileiro é bom de cama. Por quê?

Quando você fala em “sexualidade do brasileiro”, está se referindo a uma curiosa confluência entre o que acontece na vida individual e na vida dos povos. O Brasil foi o maior sistema escravagista do mundo, e a gente se pergunta se isso acabou direito. O fato de “nós”, no caso os brasileiros, sermos sensuais, ou sexuais mesmo, tem a ver com a permanência dessas relações de domínio escravagista — que é o domínio do corpo, o “faço com o seu corpo o que me der na telha”. Esse sadomasoquismo talvez seja a dinâmica fundamental de qualquer excitação sexual. E uma das razões pelas quais há uma dificuldade de se conciliar sexo e carinho.

Por que é difícil conciliar sexo e carinho?

É possível ter carinho pela pessoa com quem a gente transa e transar com a pessoa por quem sentimos carinho. Mas em uma alternância. O sexo não é o momento do carinho. Quando as relações se tornam totalmente carinhosas e as pessoas começam a falar como bebês, daqui a pouco somos o Mickey e a Minnie e vamos dormir com o pijaminha da Disney. Pode ser legal, mas aí a gente vai acabar não transando mais. Por isso que um bom casal é um casal que briga.

Um bom casal é um casal que briga?!

Eu não acho que as relações “apaziguadas” sejam as melhores. Nem que seja grande problema, num casal, de vez em quando voarem uns pratos. É a briga que permite o sexo. Não que você precise sair brigando para depois transar. Quero dizer que a briga serve para quebrar o nhenhenhém. Porque o sexo implica uma certa distância.

E a idéia muito difundida em revistas femininas de que, com o tempo, é normal o relacionamento esfriar e sobrar só o “companheirismo”?

Para mim é mais uma desculpa que outra coisa. Me parece contrário a tudo o que constato, pois, com poucas exceções, somos bichos extremamente apaixonados pela repetição. Nossa regra geral é a mesmice. Então não vejo por que a mesmice seria broxante. Minha idéia é que o interesse sexual se perde por preguiça.

Preguiça de transar?

É preciso esforço para manter a vida sexual. O sexo é um trabalho. Não no sentido de [aponta para o relógio] “ah, agora vou para o escritório”. Mas, se você não mantém fantasias sexuais andando na sua cabeça, num dado momento a atividade sexual morre. Nossa sexualidade não tem nada de natural, é ligada a fantasias e só funciona com elas. A quantidade de casais que param de transar e se queixam como se fosse “eu deveria tomar Viagra” é imensa. Mas o primeiro Viagra é pensar em sexo.

É mais fácil viver sozinho ou a dois?[Longa pausa]

É difícil responder por causa desse “mais fácil”. Acho que cada um deve descobrir se, para ele ou para ela, é mais agradável viver sozinho ou a dois. Qualquer escolha é legítima, o problema é que todas têm um custo. Eu acabo de pedir um Guaraná Diet e poderia envenenar a bebida com o lamento da Coca que não pedi. A maior lição da psicanálise é esta: qualquer desejo implica perdas.

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