domingo, 9 de maio de 2010

ADOLESCÊNCIA E CONTEMPORANEIDADE


"O que é adolescência? Definir adolescência por uma coordenada temporal é um modo de
simplificar as coisas que não respondem àquilo que normalmente conceitualizamos como adolescência. Preferiria partir da idéia de que a adolescência é um estado de espírito, independentemente da idade. Se é atribuível uma posição adolescente com autonomia da idade, situar-nos na idade para definir adolescência não parece ser um procedimento muito sensato.

O que quer dizer um estado de espírito adolescente? Um estado juvenil, talvez, indeciso. O que caracteriza o que chamamos adolescência, independentemente da idade, é a indecisão. Não uma indecisão qualquer, mas uma indecisão que se encontra na beira de se decidir. É um estado de indecisão de iminente decisão, não é um estado pacífico, é um estado de instabilidade visível, perceptível, não é um estado de status quo, não é um estado de tranqüilidade e equilíbrio; pelo contrário, é um estado turbulento, pela iminência da decisão.

Evidentemente, há conotações cronológicas que situam esse estado num momento típico da vida, embora o parâmetro não seja exatamente o mesmo para as diferentes culturas. Porém, em qualquer cultura, há uma passagem entre a infância e a vida adulta que atravessa esse estado de indecisão que convoca a um iminente desfecho. Essa passagem vai do estado de proteção, que caracteriza a infância, ao estado de exposição, que caracteriza o adulto. O adulto é um ser exposto, porque cada um de seus atos e de suas palavras tem conseqüências. Na vida adulta, não dá para “fazer de conta”, enquanto que a infância caracteriza-se por “fazer de conta”. Entre esse “fazer de conta” pleno que caracteriza a infância e essa impossibilidade de “fazer de conta” própria do adulto, há uma passagem que se situa cronologicamente de modo variável nas diferentes culturas.

A criança deixa de estar submetida a uma lei ad hoc, especificamente perfilada para ela. Entre essa posição de particularidade da lei, que caracteriza a infância, e essa posição de estar exposto à lei de todos, que caracteriza a vida adulta, há um momento de exceção chamado adolescência, que tem como pivô a iminência de um desfecho do estado de indecisão, pela passagem de uma vida protegida a uma vida exposta.

A palavra adolescência fala de adoecer, fala de um sofrimento que é próprio da perda de proteção, inevitável na medida em que esse “fazer de conta” deixa de existir e passa a ter conseqüências, em que a passagem da proteção à exposição determina um sofrimento.

Mas o que temos que nos perguntar é se, além dessa diferença, além da variabilidade dessa fase em termos cronológicos, diferente em cada cultura, podemos encontrar alguma particularidade que caracterize os grupos que passam por essa fase em consonância com as transformações sociais e culturais que se dão em cada época. Dito de outro modo: será que o que varia é somente a cronologia de situação de acordo com a circunstância cultural e civilizatória, ou muda algo do conteúdo mesmo, daquelas representações em que o sujeito adolescente se reconhece? O problema de todo sujeito, sem exceção – a única exceção que podemos fazer é no campo da patologia grave, ou gravíssima, como na demência, nas esquizofrenias mais graves ou em casos de autismo -, é como se representar no discurso social, ou seja, o que valem seus atos e o que valem as suas palavras no discurso social. O que valem quer dizer o que simbolizam. [...]"

Alfredo Jerusalinsky

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