terça-feira, 11 de maio de 2010

LUTO


"O teste da realidade revelou que o objeto amado não existe mais, passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Essa exigência provoca uma oposição compreensível - é fato notório que as pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo, na realidade, quando um substituto já se lhes acena. Esta oposição pode ser tão intensa, que dá lugar a um desvio da realidade e a um apego ao objeto por intermédio de uma psicose alucinatória carregada de desejo.

Normalmente, prevalece o respeito pela realidade, ainda que suas ordens não possam ser obedecidas de imediato. São executadas pouco a pouco, com grande dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-se psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido. Cada uma das lembranças e expectativas isoladas através das quais a libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas. Por que essa transigência, pela qual o domínio da realidade se faz fragmentariamente, deve ser tão extraordinariamente penosa, de forma alguma é coisa fácil de explicar em termos de economia. É notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo natural. Contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido [...] Cada uma das lembranças e situações de expectativa que demonstram a ligação da libido ao objeto perdido se defrontam com o veredicto da realidade segundo o qual o objeto não mais existe; e o ego, confrontado, por assim dizer, com a questão de saber se partilhará desse destino, é persuadido, pela soma das satisfações narcisistas que deriva de estar vivo, a romper sua ligação com o objeto abolido.
Talvez possamos supor que esse trabalho de rompimento seja tão lento e gradual, que, na ocasião em que tiver sido concluído, o dispêndio de energia necessária a ele também se tenha dissipado".

(Freud, 1914 - Luto e Melancolia)

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