terça-feira, 28 de dezembro de 2010
FELIZ ANO NOVO
quatro, três, dois, um, Viva ! Feliz Ano Novo !
Não adianta você querer dizer que nada tem a ver com isso, que é só uma data no calendário, que o Ano Novo não muda nada, que todo dia é igual ao outro, que você está acima ou indiferente a essas convenções sócio-comerciais, que o Ano Novo é patrocinado pelas agências de turismo, como o Natal seria invenção do clube dos lojistas. A sociedade vive dos pactos e convenções, que podem ser discutidos mas não desprezados. Senão, seria como dar um tiro no próprio pé. Não se caminha sem acordos de convivência e alguns, como o Ano Novo, dado à sua extensão universal, têm uma força simbólica real, que não permite indiferença. Até aquele mal humorado que prefere ir na última sessão de cinema do dia 31 de dezembro, sozinho, e antes da meia-noite já estar dormindo, não escapa ao Ano Novo. Não querer ver a entrada do ano é uma reação negativa, mas é uma reação.
E todos os anos se renovam as promessas, mesmo que sejam as mesmas das últimas décadas – sempre anunciadas, nunca cumpridas – sem nenhuma vergonha do pecado. O Ano Novo lava a alma do passado e estabelece um daqui para a frente. Normalmente as promessas se dividem em vir a ser mais apto, ou em vir a ser mais hábil. Ser mais apto é o sonho dos Darwinistas, que acreditam, tal qual Y-Yuca Pirama, que “se a vida é combate, que os fracos abate, os bravos, os fortes só pode exaltar”. São partidários da sobrevivência dos competentes.
Outros, os hábeis, almejam o reconhecimento social - mal se reclamando de Hegel - indiferentes às maneiras de obtê-lo, tanto mais quando os chamados emergentes passaram a ter destaque em novela e recebem aplauso popular. Pregam a habilidade, o jeitinho sedutor para obter a melhor vantagem. Mais vale aí a aparência de realização do que a própria; artimanha consagrada no ditado popular : “comeu galinha, degustou peru”.
E a psicanálise, tem algo a dizer sobre as boas intenções do Ano Novo ? Ao menos dois aspectos : “Você quer o que você deseja ? “, seria o primeiro, e o inexorável da surpresa, o segundo. Muitas das promessas, ficam só nas promessas, porque é bastante comum não se querer o que se deseja. Este aspecto até auxilia os analistas no diagnóstico : obsessivos seriam os que só querem o que não desejam, pois assim não arriscam perder o que lhes é mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtém, desejam sempre uma outra coisa. Querer o que se deseja implica o risco da aposta – toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa.
Então, no Ano Novo, uma promessa analítica, se existisse, seria suportar querer o que se deseja e não temer a surpresa do próprio Ano Novo. O momento mesmo do reveillon é o melhor exemplo do imprevisível : embora todo mundo saiba quando ele vai nascer, embora tal qual obstetras do futuro acompanhemos a contagem regressiva do seu nascimento em voz alta, não conseguimos evitar a curiosidade entusiasmada de ver a sua cara em meio a sinfonia dos fogos de artifício e das bolhas de champagne.
E todo Ano Novo é multifacetado, ele tem uma cara para cada um, é o que o difere do ano velho, com suas conhecidas rugas e rusgas. Tanto melhor, se o Ano Novo lhe encontrar feliz. Você.
(Publicado na revista Emoção, em 6 de novembro de 2000)
JORGE FORBES
Maria Teresa de Melo Padilha
sábado, 18 de dezembro de 2010
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Lacan
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
CLARICE LISPECTOR
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
SOBRE O AMOR
No rastro da sexualidade caminha o amor ou, como queiram, no rastro do amor caminha a sexualidade. Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se
[...]
“ O discurso amoroso (odioso) sufoca o outro, que não encontra lugar algum para a sua própria fala nesse dizer maciço. Não é que eu o impeça de falar, mas sei como fazer para deslizar os pronomes : Eu falo e você me ouve, logo nós somos (Ponge). Às vezes, com terror, me conscientizo dessa inversão: eu que me acreditava puro sujeito (sujeito submisso: frágil, delicado, miserável) , me vejo transformado em coisa obtusa, que avança cegamente, que esmaga tudo sob seu discurso: eu que amo, sou coisa indesejável, faço parte do rol dos importunos: aqueles que pesam, atrapalham, abusam, complicam, pedem, intimidam (ou apenas simplesmente: aqueles que falam). Me enganei monumentalmente.
(O outro fica desfigurado pelo seu mutismo, como nesses sonhos terríveis onde certa pessoa amada aparece com a parte inferior do rosto inteiramente apagada, sem boca; eu que falo , também fico desfigurado: o solilóquio faz de mim um monstro, uma língua enorme.)”[3]
A loucura não seria mesmo essa anulação da distância que sabemos guardar uns dos outros? Não seria ela mesma um espécie de verborragia que não levando em conta os espaços entres as palavras inaugura uma outra linguagem? Linguagem que se estrutura para além ou aquém dos sentidos alcançados pelos eixos de referência usuais com os quais caminhamos? Caligaris dizia que se os neuróticos organizam-se segundo um mapa terrestre, os psicóticos se organizariam segundo um mapa estrelar!
“Por uma lógica singular, o sujeito apaixonado percebe o outro como um Tudo (a exemplo de Paris outonal), e , ao mesmo tempo, esse Tudo parece comportar um resto que não pode ser dito. E o outro tudo que produz nele uma visão estética: ele gaba a sua perfeição, se vangloria de tê-lo escolhido perfeito; imagina que o outro quer ser amado como ele próprio gostaria de sê-lo, mas não por essa ou aquela de suas qualidades, mas por tudo, e esse tudo lhe é atribuído sob a forma de uma palavra vazia, porque Tudo não poderia se inventariado sem ser diminuído: Adorável! não abriga nenhuma qualidade, a não ser o tudo do afeto. Entretanto, ao mesmo tempo que adorável diz tudo, diz também o que falta ao tudo; quer designar esse lugar do outro onde meu desejo vem especialmente se fixar, mas esse lugar não é designável; nunca saberei nada; sobre ele minha linguagem vai sempre tatear e gaguejar para tentar dizê-lo, mas nunca poderá produzir nada além de uma palavra vazia, que é como o grau zero de todos os lugares onde se forma o desejo muito especial que tenho desse outro aí (e não de um outro).”[5]
[...]
domingo, 5 de dezembro de 2010
Eternizando..
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
Mal-entendido
(Você quer o que deseja?, Jorge Forbes, p. 143)
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Desejo do Analista
“Desejo do analista”
Por Jorge Forbes
É muito comum, ao sair de uma sessão difícil, o analisando dizer que se sente bem. Por que isso acontece? Porque ele depositava sua segurança, seu bem-estar, sua felicidade, em falsas muletas. Quando o analista as retira, o analisando acha que vai cair. Às vezes cai um pouquinho, como resultado de uma desorientação temporária. É notável como uma sessão de análise pode cansar o analisando a ponto de ele ter necessidade, logo em seguida, de um sono recuperador. É importante fazer diferença entre esse efeito, próprio ao tratamento, e uma reação histérica, cujo objetivo é, ao contrário, o de não querer se livrar do sintoma.
Não é mágica, essa mudança; é psicanálise. É acreditar, apostar no inconsciente. Para isso é necessário o analista ter passado longamente por um divã. Pela mó do divã, que vai triturando o trigo, debulhando-o até um ponto mínimo que Lacan chamou de “desejo do analista”. É desse ponto mínimo que se pode dirigir uma análise e possibilitar ao analisando o abandono das muletas.
(trecho de A Honra e o Sentido da Vida – do livro “Você quer o que deseja?”)
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Mais frases - CALLIGARES
“O amor e a paixão não nos fazem necessariamente felizes, mas são uma festa e uma alegria porque deles podemos esperar ao menos isto: que eles nos tornem um pouco outros, que eles nos mudem.”
“o diálogo que leva ao amor, que dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de nos apresentarmos por nossas falhas, feridas e perdas.”
CONTARDO CALLIGARES
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
“Na hora de bater as botas, diante da pergunta ‘Que mais poderia ter sido minha vida?’, é tocante constatar que, no fundo, gostaríamos que tivesse sido mais do mesmo.”
CONTARDO CALLIGARES
domingo, 24 de outubro de 2010
"Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou seu amor'(Freud). Acho essas frases notáveis porque elas dizem claramente o paradoxo incontornável do amor: mesmo sendo uma condição constitutiva da natureza humana, o amor é sempre a premissa insuperável dos nossos sofrimentos. Quanto mais se ama, mais se sofre"(Nasio)
terça-feira, 19 de outubro de 2010
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
O eu é um outro I
Podemos incluir, na série do que a linguagem exclui, o encontro com a crueldade extrema do outro, este mal radical, fragmento de gozo que também nos diz respeito embora permaneça inconcebível e, por isso mesmo – real.
Em psicanálise, chamamos trauma o efeito do Real sobre o psiquismo. Mas nem todo trauma nos condena ao silêncio. Ao contrário: ao redor do ponto negro do qual não é possível dizer nada, produzimos uma torrente de palavras.Os sobreviventes de cataclismos naturais, os egressos de campos de concentração, os que se viram diante da presença do Mal, os que enfrentaram a morte, não conseguem parar de falar nisso. Não cessam de tentar inscrever no campo simbólico os limites de sua experiência. Foram atravessados – como no sexo! – pela presença de um outro, um eu alheio ao eu, um fragmento do duplo que a palavra persegue, mas não capta jamais.
Algo da experiência mística, e da experiência poética, também se traduz assim. “Eu é um outro”, escreveu Rimbaud a seu amigo Paul Demeny:
Car je est un autre. (...) Cela m´est évident: j´assiste à l´eclosion de ma pensée: je la regarde, je l´écoute: je lance um coup d´archet: la symphonie fait son remuement dans lês profondeurs, ou vient d´un bond sur la scène.
O poeta denuncia a estupidez dos que acreditam no significado falso da palavra eu, e ri da crença desses esqueletos que se acreditam autores do que escrevem. Para Rimbaud, muito antes de Freud, a palavra do poeta vem deste outro que desmente a pretensão soberana do eu individual, burguês.
Mas nem sempre o encontro com o outro de fora da linguagem nos transforma em poetas. Freqüentemente, o blábláblá a que nos entregamos, e que pede desesperadamente o testemunho de alguém – seja um amigo generoso, um confessor, um psicanalista – não tem nenhuma qualidade literária.
José Maria Cançado está entre os raros abençoados que se tornam poetas em conseqüência de um trauma. Em 2004, seu coração esteve gravemente enfermo; José Maria foi salvo da morte por um coração alheio. Um outro, literalmente, veio habitar seu corpo que a partir desse momento não pode se dizer eu sem duvidar: mas eu, quem?
No transplante não dá para saber
o que é carbúnculo, o que é diamante.
A poesia, a rigor, não precisa da biografia do poeta para se sustentar. Se a experiência do transplante e o longo período de UTI não tivessem acontecido, este pequeno livro seria, da mesma forma, uma refinada obra da língua e da imaginação. Mas o autor quis revelar, na nota final, o episódio que deu à luz o poeta. O que torna sua poesia ainda mais surpreendente. Às vezes, são necessários muitos anos para que uma experiência traumática se transforme em literatura. É o que escreve Jorge Semprúm no prefácio ao seu A grande viagem, explicando por quê, só 16 anos depois de ter passado por Auschwitz, foi capaz de escrever sobre o que viveu ali.
O que surpreende é que José Maria tenha começado a escrever ali mesmo, na Unidade de Terapia Intensiva do SUS, enquanto se recuperava da cirurgia e esperava que o novo habitante se adaptasse à nova casa.
Valente, na radiografia
é possível vê-lo alojado desde ontem
ocupando sua banca
como um verdureiro recém instalado
vindo de outros dias e noites
e outras festas de São João.
É provável que a pressa da poesia fosse resposta à urgência da nova tarefa. A palavra do poeta revisita os mistérios do corpo, já não mais arquivado “sob a turquês da morte” e sim ressignificado pela presença do novo passageiro. Ou será o contrário, o coração novato o próprio motoneiro a conduzir o eu-corpo através da multidão que o habita?
Maria Rita Kehl
sábado, 16 de outubro de 2010
Felicidade x Medo
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
A dor
NASIO, J. D. A dor física.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
domingo, 26 de setembro de 2010
O passado é um lugar seguro
O mundo globalizado volta-se todo para o futuro. A vida imita a urgência das apostas antecipadas que cria as tais bolhas de não-riqueza do capital financeiro. A tecnologia aponta para a superação de todas as descobertas, que já nascem com os dias contados, fadadas à obsolescência. Chamamos de progresso a essa forma de vida breve das coisas, fruto do trabalho humano que envelhece tão rapidamente quanto elas.
O presente é uma partícula mínima de tempo, cada vez mais comprimida entre o que já foi e o que será. A rigor, pensem bem: o presente não existe. O futuro é um lugar gelado onde não vive ninguém, de onde só nos acenam promessas de velocidade. A depender das tecnociências hoje, no futuro nos deslocaremos ainda mais depressa, nos comunicaremos mais depressa, ganharemos e perderemos dinheiro mais depressa – e tentaremos envelhecer mais devagar.
O passado tornou-se o único terreno seguro onde a imaginação pode armar sua tenda e contemplar o mundo em relativa tranqüilidade. Na vida em retrospecto, todas as nossas escolhas teriam sido corretas. Teríamos sido abolicionistas no século XIX, modernistas nos anos 1920, resistentes antifascistas em 1930-40, opositores firmes contra as duas ditaduras brasileiras. O passado nos poupa da dimensão trágica da escolha.
Mas é no presente que o corpo está vivo. No presente é que se jogam os lances de dados do destino. Ele é tudo o que temos – e nos escapa."
Maria Rita Kehl
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das "ciências da educação" não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar. Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveria se os indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões políticas que não deveríamos tomar. Se você desejar saber com detalhes o que penso sobre a educação, leia os livros que se encontram na sala Biblioteca. Nas minhas conversas com educadores meus temas favoritos são: A alegria de ensinar, A educação dos sentidos, O prazer de ler, A arte de pensar, O educador como sedutor, O educador como feiticeiro, O educador como artista, O educador como cozinheiro, As leis do pensar criativo, Anatomia do pensamento: informação, razão, inteligência, conhecimento, alegria, Aprendendo a desaprender, Entre a ciência e sabedoria: o dilema da educação, Educação e política, Educação e Vida, Aprendizagem e prazer.Leia o artigo Como amar uma criança sobre o educador Janusz Korczak, que se tornou um símbolo pelo seu amor às crianças. Diretor de um orfanato em Varsóvia, foi morto pelos nazistas com suas crianças numa câmara de gás. Tradução de Manoel Moraes.
(Rubens Alves)
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Amor e Tragédia
terça-feira, 21 de setembro de 2010
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
O que os homens querem de mulher?
que os homens querem da mulher?
(Maria Rita Kehl)
Eu quis lhe dar um grande amor/ mas você não compreendeu/ a vida de um lar (Zeca Pagodinho)
O dia Internacional da Mulher passou longe da minha coluna quinzenal. Assim, vou levar a sério o galanteio dos que dizem “todo dia é dia de vocês” e continuar uma velha conversa que sempre retorna, por volta do 8 de março: afinal, o que querem as mulheres? Sucessivas gerações de homens retomaram a pergunta, desde que Freud confessou sua perplexidade à amiga Marie Bonaparte no começo do século passado.
Se a descoberta freudiana ainda valer e o inconsciente continuar recalcado, o desejo, no sentido radical da palavra, é enigmático para homens e mulheres. Não há distinção de gênero frente à opacidade das representações estranhamente familiares que nos habitam e motivam lapsos, deslizes, sintomas, fantasias. Já no plano das vontades mais pedestres, do destino que damos a essa insatisfação permanente a que se chama vida – talvez aí se possa especular se os homens seriam menos enigmáticos que as mulheres.
Por uma questão de método, vale considerar o ponto de vista dos que, como Freud, se confessam incapazes de satisfazer esses seres ambíguos que somos nós, do sexo feminino. Os homens, talvez para se esquivar da intromissão feminina, declaram ser pessoas fáceis de contentar. Além de sexo, dedicação e carinho (mas sem exagero!) das amadas, querem respeito profissional e, claro, ganhar bem. O que mais? 90% de minha amostragem particular responde: ler o jornal inteiro no domingo, jogar conversa fora com os amigos de bar de vez em quando e ver futebol na TV sem ser interrompidos. Essa opção, há quem troque por uma soneca no sofá.
Parece que com esse pacote de pequenas alegrias, tudo estaria bem. Mas, atenção: as mulheres, convidadas gentilmente a não aporrinhá-los durante suas atividades favoritas, devem estar a postos quando eles solicitarem. O casamento para o homem, disse uma vez Mário Prata, significa botar uma mulher dentro de casa. E depois, sair prá rua. Só que ela precisa estar lá quando o cara voltar, de preferência sem questionar por que ele saiu em vez de se contentar com tudo o que ela tem a oferecer. Melhor fazer essa pergunta ao ex-marido da Amélia, aquela dedicada que ele abandonou em troca da outra, cheia de exigências.
Mas perguntemos também, como meu colega de coluna, Marcelo Paiva, por que tantas mulheres hoje (nem todas! só as de 40 prá cima) não querem mais se casar. Essa pergunta é simétrica àquela formulada pelo historiador da revolução francesa, Jules Michelet, aos homens que no final do século XIX preferiam as aventuras do celibato à responsabilidade do casamento. Michelet lamentava o destino das moças pobres e remediadas que, fora da instituição do matrimônio, ficavam desprotegidas, vulneráveis, sem perspectiva de futuro.
A recusa mudou de lugar? Por que as mulheres de hoje, cumprida a etapa inicial da criação dos filhos, preferem não entrar num segundo ou um terceiro casamento? Hipótese: porque não precisam mais dele. Não do homem, nem do amor: do casamento. Nem todas as que desistem de casar de novo são, como pensa Marcelo, desiludidas com o amor. As mulheres que já se casaram algumas vezes podem ter desistido do casamento porque este existe, até hoje, para tornar confortável a vida – dos homens. Separados, eles procuram imediatamente uma esposa que substitua a primeira, enquanto elas parecem não ter pressa nenhuma de voltar ao estado civil anterior. Isso não quer dizer que tenham desistido de amar. Pode ser que estejam à procura de outras coisas, alem das que o casamento proporciona. Aliás: é nessa hora, quando uma mulher não se contenta mais com o que seu homem lhe oferece, que ele a acusa de não saber o que quer.
Muitas coisas os homens podem nos dar. Amor, prazer, carinho, apoio. Aquele olhar de desejo que embeleza a mulher. E filhos, quase todas queremos os filhos. O que mais? Profissão e independência econômica ficam fora do pacote do amor. Poder, também: mas o verbo é mais instigante que o substantivo. As mulheres querem poder muitas coisas. Depois que os filhos crescem e antes que lhes tragam netos prá cuidar, o que querem as mulheres? É simples: tudo o que não puderam viver até então. Está certo: tudo, tudo, não pode ser. Vá lá, quase tudo. Com vocês ou sem vocês, meus caros; quase tudo. Caberia até perguntar: por que os homens (não todos! só os de 40 prá cima) querem tão pouco?
Basta olhar à sua volta. Uma fila de cinema: 60% de mulheres, 40% de homens (os jovens talvez sejam exceção). Um concerto? 70% prá nós. Exposição de arte, idem. Metrô prá qualquer lugar, fora de horários de pico: mulheres, mulheres. Carnaval, festa-baile: olha lá elas dançando, com ou sem parceria masculina. Viagens, ecoturismo, passeatas - a lista é longa.
Por isso mesmo a mulher pode hoje dar a seu parceiro o que nenhuma geração anterior ao século XX podia dar. Aquilo que o poeta francês Benjamin Pérec chamou de amor sublime: o amor da carne, mais o da sublimação. As três últimas gerações de mulheres, não limitadas ao espaço doméstico, são capazes de conversar sobre quase tudo com seus companheiros. Compartilhar idéias, projetos, ambições, bobagens, piadas, boemia, lutas. A vida pode ser bem boa desse jeito, e o amor, uma conversa sem fim.
O filósofo romeno Cioran afirmou que as mulheres são as novas-ricas do mundo da cultura. Talvez por isso falemos demais. Em compensação, os maridos não são mais os nossos únicos interlocutores.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
DE BATOM E SALTO ALTO - novos tempos para a sexualidade feminina.
Esses movimentos de mudança tiveram efeitos em sua sexualidade e na sua maneira de se relacionar.
Historicamente o casamento foi considerado o rito social que, entre outras coisas, autorizava socialmente a mulher à sua entrada na vida sexual. Após unir-se civil e religiosamente a um homem ela estava autorizada a relacionar-se sexualmente e a ter filhos.
Foi no período, pós-segunda guerra, que as mulheres começaram a sair de suas casas e a ocupar as fábricas. Muitos de seus maridos que eram provedores do lar não retornaram e elas precisaram ser as provedoras.
Atualmente encontramos sua forte atuação no mercado de trabalho e sua presença nas universidades. Tivemos a invenção da pílula anticoncepcional e da camisinha.
Esses fatores permitiram a ela expressar seu desejo por outras coisas. Foram libertas de seu único destino que era o de se casar e ter filhos. Estudar, concluir a faculdade, ter uma carreira bem sucedida, têm se tornado suas prioridades. O típico relacionamento conjugal está ficando cada vez mais para depois da conquista dos anseios profissionais, sendo uma de suas opções.
Agora há a possibilidade dela poder exercer sua sexualidade conservando seu estado civil de solteira. Não há mais a exigência social do casamento como ato inaugural à sua vida sexual.
Muito se discute se essas mudanças e os seus resultados foram positivos ou negativos para a vida afetiva, para os relacionamentos e para as estruturas familiares.
É certo que cada escolha implica em uma (e muitas vezes mais que uma) renúncia. A mulher ao ganhar tanto espaço na sociedade também teve que se haver com aspectos nunca antes enfrentados.
As duplas e triplas jornadas de trabalho, a criação dos filhos e tantos preconceitos que permeiam nossa cultura são alguns exemplos disso.
Vivemos em um momento de diferente organização social ao que nossos pais e avós conheceram. Essa nova organização traz, como um de seus efeitos, certa autonomia ao exercício da sexualidade feminina.
Há a possibilidade dela se relacionar “apesar dê” e não mais “por causa dê”. Pois agora ela pode se unir a alguém se isso for de sua vontade “apesar dê” poder não se unir a ninguém. Não mais “por causa dê” algum outro motivo, ou de algo que ela não possa conquistar, ou que não lhe seja permitido socialmente. As relações podem ser construídas com muito mais honestidade e verdade.
No entanto, como será que os homens têm encarado os avanços e as conquistas femininas?
Bom, essa reflexão vai ficar para uma outra edição!
(Ana Paula Dilger, publicado em julho/2010, em: http://www.portalmex.com.br/).
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Todo mundo quer amor
Todo mundo quer amor
O psicanalista e psiquiatra Jorge Forbes* fala que a felicidade amorosa não tem garantia. Ele acredita que buscá-la é obrigação de todos. Mesmo sabendo do risco de se machucar no caminho.
Marie Claire: É impossível ser feliz sozinho?
Jorge Forbes: Todo ser humano necessita de alguém que o incomode, que o desafie todos os dias. Quando acontece o encontro, um acorda o outro e é bom, as pessoas precisam de alguém que as retire do comportamento individualista. A mulher deve ser "a pedra no caminho" do homem, como nos versos de Carlos Drummond de Andrade. É ela quem alerta o homem, porque ele é mais acomodado e ela é mais inquieta. O encontro faz com que os dois tenham motivo para reinventar a vida todos os dias. Mas felicidade dá trabalho.
MC: Fixar-se na falta do parceiro é uma atitude infeliz?
JF: Idealizar que o parceiro é a fonte da felicidade tem dois lados ruins:
1. Enquanto está sem par, a pessoa desvaloriza as outras conquistas da vida, que também são importantes, mas acabam passando despercebidas.
2. Se, por acaso, consegue que seu relacionamento amoroso atinja seu ideal de felicidade, está fadada a perder essa situação, já que nenhum relacionamento é ideal eternamente.
MC: Como realizar o sonho de ser feliz no amor?
JF: Tentar ser feliz é obrigatório. Realizar é uma sorte. Para chegar um pouco mais perto, aí vão alguns lembretes:
1. Não acredite em conselhos que tenham em sua composição a palavra "dever".
2. Esqueça regras pré-concebidas. As formas de satisfação a dois só podem ter uma regra – o comum acordo entre os parceiros.
3. Os parceiros podem contar todas as fantasias amorosas um para o outro: contar sempre, realizar quando der.
4. Jamais tente compreender a felicidade. É preciso suportar o inusitado dela, mesmo se você não compreende o que está acontecendo! Com medo de que a felicidade acabe, as pessoas ficam tentando descobrir a receita para repetir exatamente o que aconteceu, na tentativa de aprisionar o momento feliz. Mas toda vez que se constrói uma prisão, a felicidade acaba.
5. A base da felicidade é o novo, a originalidade. Ela é a possibilidade de viver fora do padrão e de reinventar a vida. Quem ousa tem mais chance de ser feliz.
MC: Dizem que"casamento é loteria". O senhor acha que felicidade é questão de sorte?
JF: Concordo que o amor é um encontro por acaso. A essência do relacionamento não se pode prever e nem medir. Todo balanço pré-nupcial tem um elemento imponderável, por isso os mais velhos costumavam dizer que "quem pensa muito não casa". A razão é simples: é impossível entender plenamente por que se está casando.
MC:A felicidade depende da maturidade?
JF: Isso não garante nada. A maturidade é uma chatice que a civilização impõe. A felicidade é poder manter algo dos 5 anos de idade e não ser taxado de débil mental. Felicidade é a força bruta do desejo, que dá o impulso para que as coisas se realizem.
MC: "Tenho medo da dependência" é outro clichê moderno para fugir da intimidade emocional.
JF: Atrás dessa frase há sempre uma pessoa querendo muito ser dependente. Ao encontrar alguém aparentemente disponível, agarra-se a ela como garantia de segurança emocional, econômica, social, espiritual... mas isso não é felicidade. Há sempre uma diferença radical entre dois parceiros: amor é o nome que se dá à ponte que recobre temporariamente essa distância entre eles. Mas a diferença sempre vai reaparecer, é inevitável. A felicidade é tênue, um encontro provisório. Não é standard, nunca é fixa.
MC:Esperar que a relação seja fonte de felicidade revela uma visão idealizada do amor?
JF: Tratar a relação amorosa como um tapa-buraco para as dificuldades da vida é exigir demais do parceiro, que acaba tendo uma responsabilidade que desconhece e com a qual não pode arcar. Relacionamento amoroso ajuda, sim, mas indiretamente: fornece energia e entusiasmo para enfrentar a vida.
MC:O que precisamos saber para amar e ser feliz?
JF: Que não existe garantia. Todo amor é um contrato de risco e nisso reside sua graça e sua desgraça. Graça, quando contribui para aumentar o entusiasmo na vida. Desgraça quando deixa a pessoa desarvorada – a pior reação de uma mulher frente à perda de um amor, segundo [a escritora] Marguerite Duras.
MC:Mulher sofre mais por amor do que homem?
JF: Geralmente, sim. O abatimento da mulher é maior porque a capacidade feminina de amar é infinitamente superior à do homem.
MC:Felicidade é uma responsabilidade pessoal?
JF: Pessoal e intransferível. Quem espera que o outro lhe traga a felicidade é porque se acomodou. Colocou o parceiro no lugar da mãe que levava o Toddy na cama.
MC:Na carência afetiva, corremos o risco de consumir o outro como um "antidepressivo"?
JF: Transformar amor em remédio é perigoso, felicidade não é artigo de consumo. A relação amorosa tem duas vertentes: a afetiva e a sensual. A afetiva é cuidado, segurança, companheirismo – é repetição. A sensual é invenção e nada tem a ver com o cuidar – envolve surpresa, uso sexual recíproco e tem uma vertente enigmática. Quando as pessoas estão carentes, tendem a desenvolver a corrente amigável e sufocar a sensual. Aí o amor acaba. Quem se preocupa demais com o dia-a-dia costuma fazer mal amor à noite.
MC: A felicidade amorosa quase sempre vem acompanhada do medo da perda, do abandono ou da traição. Como superar isso?
JF: Quando se gosta de alguém, a tendência é ficar vulnerável. Amar é suportar ser ridículo. A partir dos 30 anos as pessoas estão escaldadas, já tiveram decepções amorosas. Daí o medo. Mesmo assim, vale a pena arriscar novamente, ainda sabendo que pode se ferrar de novo. Mas se a pessoa só se ferra, é hora de desconfiar de suas más escolhas. Tem gente que tem prazer em sofrer.
MC: A euforia do começo da paixão pode ser chamada de felicidade?
JF: A paixão pode ser chamada de felicidade, mas, quando se transforma em um ideal de vida, fica supervalorizada e representa um perigo. Fica bonito no teatro, mas é muito triste na vida real. Daí personagens como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa... Morreram porque tentaram eternizar a paixão. Quando os envolvidos querem manter intocável a paixão, quando não suportam mudança ou interferência, acabam selando um compromisso de morte.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
De erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade."
Não somos apenas o que pensamos ser.
Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos;
somos as álavras que trocamos, os enganos q cometemos,os inpulsos a que cedemos, "sem quere"
"Um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste."
Sigmund Freud
domingo, 5 de setembro de 2010
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Um novo ideal masculino
por Contardo Calligaris *
publicado em 13/7/2009.
VOCÊ SE lembra de Gordon Gekko, o protagonista do filme "Wall Street - Poder e Cobiça", de Oliver Stone, de 1987? Na Nova York dos anos 90, Gekko foi o ídolo dos que tentavam fortuna no mercado financeiro. Graças a Gekko, eles se sentiam autorizados; repetiam, como um mantra: "A ganância é uma coisa boa".
Gekko juntava num único ideal o sonho de fazer dinheiro e o desejo de viver perigosamente, conciliando as duas figuras tradicionais do ideal masculino: o provedor e o aventureiro (fora ou acima da lei).
Funcionou durante mais de uma década. Uma geração inteira viveu sua cobiça como uma proeza gloriosa: "Olhe, fiz meu primeiro milhão de dólares, e tudo isso na corda bamba. Sou o Philippe Petit das finanças; ele caminhava entre as Torres Gêmeas, enquanto eu avanço no vazio, acima de Wall Street, e logo comprarei para você, mãe, a casa na Flórida que você sempre quis".
A corda era bamba mesmo, e, em sua queda, os aventureiros gananciosos à la Gordon Gekko levaram consigo um monte de pequenos provedores "sem ousadia", que contavam com sua poupança para envelhecer tranquilos. Hoje, em Nova York, ser corretor, mesmo multimilionário, não é um ideal praticável -ao contrário, tornou-se um ofício envergonhado. Com o que sonham, então, os meninos e suas mães?
Em nossas telas, os super-heróis continuam exibindo seus poderes, e há vampiros e lobisomens fascinantes que, às vezes, são "do bem". Todos eles alimentam a esperança de que nosso cotidiano (insosso?) seja apenas uma identidade secreta atrás da qual escondemos algum bizarro heroísmo; mas, convenhamos, eles são distantes demais, são ideais improváveis. Há policiais, bombeiros e militares, mas (hesitam as mães) eles ganham pouco e correm risco de vida. Há bandidos de sucesso, mas você já imaginou contar para amigas e vizinhas que seu filho está na lista dos dez mais procurados pela polícia federal?
Em suma, com o fim de Gekko, falta um ideal masculino que seja distante (como deve ser um ideal), mas mesmo assim alcançável para quem não nasceu em Kripton ou não foi mordido por Drácula - também um ideal que seja honrado e não exponha os meninos a riscos letais.
A eleição de Barack Obama à presidência dos EUA não foi só um marco político; está também transformando os ideais masculinos.
Obama é um paradigma triunfal (a presidência americana, ainda mais para um negro, é façanha de super-herói), mas, ao mesmo tempo, ele é um homem comum, um "americano tranquilo". Ele não esbraveja, conversa com seus adversários, e já foi um ativista social (generoso, portanto). Em Obama, o esporte extremo do poder se concilia com a vida de família mais tradicional: à noite, jogos de mesa com as crianças e, no domingo, serviço religioso. Quando, duas semanas atrás, Barack e Michelle saíram sozinhos para um jantar romântico, Jon Stewart (do "Daily Show") protestou: "Como a gente vai competir com isso?" e apostrofou Obama: "Pega leve, cara" (Folha, caderno The New York Times de 22 de junho). Stewart tem razão: Obama não é só o homem que muitas mães gostariam que seus meninos fossem mas também o homem com quem elas gostariam de casar.
Se esse ideal triunfar na cultura dos EUA (repertório tradicional do heroísmo masculino), ele poderia transformar as aspirações dos meninos pelo mundo afora: saem os justiceiros e os pistoleiros, os astronautas, John Wayne e seus paraquedistas, Burt Lancaster no seu submarino, Robert de Niro e sua roleta-russa, Leonardo di Caprio na proa do Titanic, e entram de vez Gregory Peck de "O Sol é para Todos" ou Sidney Poitier e Spencer Tracy de "Adivinhe Quem Vem para Jantar". O mundo agradeceria.
Claro, ninguém é ingênuo: a mudança acarretaria sua parte de opressão, sobretudo para quem não é muito caseiro, mas essa é outra história.
domingo, 29 de agosto de 2010
A festa é uma boa ocasião para perguntar: para que serve, hoje, a psicanálise? A campanha eleitoral em curso me ajuda a escolher uma resposta.
Repetidamente, o presidente Lula e Dilma Rousseff se apresentam como pai e mãe dos brasileiros. Em 17/8, Lula declarou: "A palavra não é governar, a palavra é cuidar: quero ganhar as eleições para cuidar do meu povo, como a mãe cuida de seu filho".
No dia seguinte, Marina Silva comentou: "Querem infantilizar o Brasil com essa história de pai e mãe". Várias vozes (por exemplo, o editorial da Folha de 19/8) manifestaram um mal-estar; Gilberto Dimenstein resumiu perfeitamente: "Trazer a lógica familiar para a política significa colocar a criança recebendo a proteção de um pai em vez de um governante atendendo a um cidadão que paga imposto".
Entendo que um presidente ou uma candidata se apresentem como pai ou mãe do povo. Embora haja precedentes péssimos (de Vargas a Stálin, ao ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il), estou mais que disposto a acreditar que Lula e Dilma se expressem dessa forma com as melhores intenções.
O que me choca é que eleitores possam ser seduzidos pela ideia de serem cuidados como crianças e preferi-la à de serem governados como adultos.
Se o governo for paternal ou maternal, o que o cidadão espera nunca será exigível, mas sempre outorgado como um presente concedido por generosidade amorosa; o vínculo entre cidadão e governo se parecerá com o tragipastelão afetivo da vida de família: dívidas impagáveis, culpas, ciúme passional etc. Alguém gosta disso?
Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância. Ao longo da cura, espera-se que essa descoberta nos liberte e nos permita, por exemplo, renunciar à tutela dos pais e ao prazer (duvidoso) de encarnarmos para sempre a criança "maravilhosa" com a qual eles sonhavam e talvez ainda sonhem.
Tornar-se adulto (por uma psicanálise ou não) é um processo árduo e sempre inacabado. Por isso mesmo, a quem luta para se manter adulto, qualquer paternalismo dá calafrios -ou vontade de sair atirando, como Roberto Zucco.
Roberto Succo (com "s"), veneziano, em 1981, matou a mãe e o pai; logo, fugiu do manicômio onde fora internado e, durante anos, matou, estuprou e sequestrou pela Europa afora. Em 1989, Bernard-Marie Koltès inspirou-se na história de Succo para escrever "Roberto Zucco", peça admiravelmente encenada, hoje, em São Paulo, na praça Roosevelt, pelos Satyros.
Na peça, Zucco perpetra realmente aqueles crimes que todos perpetramos simbolicamente, para nos tornarmos adultos: "matar" o pai, a mãe e, dentro de nós, a criança que devemos deixar de ser.
O diretor da peça, Rodolfo García Vázquez, disse que Zucco é um Hamlet moderno. Claro, para Hamlet, como para Zucco, o parricídio é uma espécie de provação no caminho que leva à "maioridade". Além disso, pai, padrasto e mãe de Hamlet eram reis, e o pai de Succo era policial. Para ambos, o Estado se confundia com a família.
Se o Estado é um pai ou uma mãe para mim, eu não tenho deveres, só dívidas amorosas, e, se esse Estado me desrespeita, é que ele me rejeita, que ele trai meu amor. Por esse caminho, amado ou traído pelo Estado, nunca me considerarei como um entre outros (o que é uma condição básica da vida em sociedade), mas sempre como a menina dos olhos do poder.
Agora, se eu me sentir traído, não me contentarei em mudar meu voto, mas procurarei vingança no corpo a corpo, quem sabe arma na mão; pois essa é a linguagem da paixão e de suas decepções. O paternalismo, em suma, semeia violência.
Enfim, se é verdade que muitos prefeririam ser objeto de cuidados maternos ou paternos a serem "friamente" governados, pois bem, nesse caso, a psicanálise ainda tem várias boas décadas de utilidade pública entre nós.
É uma boa notícia para a psicanálise. Não é uma boa notícia para o mundo fora dos consultórios.
Contardo Calligaris
Estranhos desejos
O bom senso, que normalmente pensa mal, associa a compra boa e feliz a quando alguém adquire o que lhe é necessário, em especial, se pertencer à trinca das necessidades humanas fundamentais: saúde, educação e moradia. Essa fórmula do politicamente correto funciona ao nível da necessidade, mas nem sempre ao nível do desejo. Desejar é ter um desejo sempre de outra coisa, afirmava Jacques Lacan. Os exemplos chocam: para terror da patroa, sua cozinheira comprou uma boneca de presente de natal para sua filha, empenhando a própria bicicleta. Para desespero da esposa, seu marido pagou cinqüenta mil dólares no carrinho de brinquedo que faltava à sua coleção. Para desconsolo da viúva, sua filha gastou todo o 13º salário, em uma viagem para uma ilha semi-selvagem. Afirmar que esses fatos só ocorrem em um sistema de capitalismo selvagem, corruptor de mentes fracas, hipnotizador perverso e aliciador do consumismo suicida, é acreditar em utopias. As condições de escolha de um objeto, como também de uma pessoa são sempre muito estranhas aos olhos dos outros; é o que fez Fernando Pessoa escrever que todas as cartas de amor são ridículas.
Os tempos de hoje, da globalização, são ainda mais propícios às expressões singulares de cada pessoa, aumentando a taxa de estranheza das escolhas. Isso porque estamos em um tempo no qual não há padrões fixos do que se deve fazer, ou do como se pode ter prazer corretamente. Aumenta muito a responsabilidade de cada um de com quem está, em que lugar, e com o que. Está com os dias contados o exibicionismo do objeto de luxo para mostrar poder e exclusividade, a questão não é mais de impressionar o outro, mas de, como um artista, fazer sua opção subjetiva, e incluí-la no mundo.
Felicidade não tem preço, diz a sabedoria popular, não no sentido de ser muito cara, mas de que não é “precificável”, de que nunca se acha o justo valor. Os objetos da pura necessidade, espera-se que sejam gratuitos, pois se nos puseram nesse mundo, que nos cuidem, ensinem e abriguem; já os objetos de desejo, que cada um responda.
Jorge Forbes
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
De início, e já complicando, temos que nem a Psicologia nem a Psicanálise poderiam ser tratadas como unas. Há, na Psicologia, muitas Psicologias; e o mesmo acontece com a Psicanálise. Dentre as muitas Psicologias, tratarei daquela que está mais próxima de um raciocínio positivista, a que busca verificar os comportamentos humanos por meio de experimentos, por ser esta a que mais se diferencia da Psicanálise.
Como disse, são muitas as Psicologias e mui- tas delas têm propostas de compreensão do psiquis- mo que fazem uso da Psicanálise ou discutem o psiquismo como resultado de uma dinâmica psí- quica (por exemplo: psicodrama, gestalt, etc.). A partir destas, as diferenças são sutis e difíceis de tratar em um breve artigo. A Psicologia Experimen- tal, por sua vez, apresenta diferenças marcantes e acaba por ser bastante conhecida por pessoas fora daárea.1
Os psicólogos podem fazer uso da Psicanálise apenas como um instrumento dentre muitos outros, tal como se vê na análise de alguns testes projeti- vos. Ou podem começar a praticar uma psicotera- pia de base analítica. Ou mesmo fazer referência a apenas um ou outro aspecto na prática terapêutica, quando pressupõem em todas as ações humanas algo de latente ou inconsciente.
Por sua vez, a Psicanálise também se faz pre- sente em muitas apresentações, variando-se a cor- rente de acordo com o enfoque ou com o teórico que desenvolveu esta ou aquela idéia. Como Psi- canálise, abordarei mais especificamente as obras freudiana e lacaniana, sem nenhum demérito em relação aos outros teóricos psicanalistas, tendo como norte minhas possibilidades de aprofunda- mento, dentro do que conheço.
De maneira geral, a Psicanálise dificilmente se aproxima da Psicologia como possibilidade de con- tribuição. Os psicanalistas, pelo contrário, parece buscar justamente o que diferencia as duas disci- plinas, fazendo referênciaà Psicologia apenas para afastá-la e não para conhecê-la.
Apresentarei cinco pontos de diferenças entre a Psicologia e a Psicanálise, definidos didaticamen- te, já que todos se relacionam:
•o eixo (aquilo que norteia o raciocínio teórico da
disciplina, o objeto de estudo);
•a etiologia (como são estabelecidas as propostas
teóricas acerca da etiologia dos sintomas);
•o patológico (as possíveis classificações psico-
patológicas);
•a ética (e a direção da cura);
•o papel do clínico.
Roberta Ecleide Ol. Gomes-Kelly
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Frases
"Quem duvida do próprio amor, duvida de todas as pessoas que ama." (Freud)
"O sintoma aparece no lugar do que não pode ser falado." (Maud Mannoni)
"Existem pessoas que se não sofrerem, se não tiverem o prazer do sofrimento, ficam mais loucas do que nunca." (Jorge Volonovich)
"Hoje em dia, as pessoas têm tanto medo de se arriscar que terminam por não correr o risco de ser felizes." (F. Dolto)
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
terça-feira, 17 de agosto de 2010
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
sábado, 7 de agosto de 2010
Mesmo assim, vale perguntar se não há casos em que o sentido da vida transcenda a dimensão do corpo. Sem a sublimação e a criação, mesmo uma vida voltada para os prazeres do corpo fica bastante limitada. Seremos a “besta sadia/cadáver adiado que procria”, do verso de Fernando Pessoa. Igualmente pobre é a vida privada, voltada apenas para a intimidade familiar e excluída do espaço público. Maggie, a Menina de Ouro de Clint Eastwood, prefere morrer enquanto ainda tem viva a lembrança dos aplausos do público, do que vegetar no anonimato de um quarto de hospital. O sucesso e a fama são a versão mais próxima de uma vida pública, na dramaturgia dos EUA. Já o tetraplégico representado por Javier Barden, sem sair de seu quarto, contou com a potência de sua palavra, capaz de transformar a vida de outras pessoas. Palavra cuja verdade foi publicamente sancionada, em retrospecto, pela realização de seu desejo de morrer. .
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Bela Vida, Boa Morte I
Morra jovem e seja um belo cadáver (Oscar Wilde)
Não é moderna a idéia de que a uma vida bem vivida deve corresponder uma boa morte. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, já escrevera que a qualidade da vida de um homem só pode ser avaliada no dia de sua morte. Não só porque a morte permite medir, em retrospecto, o vivido – a morte completa o sentido da vida – mas também porque uma morte indigna, ou um ato indigno cometido no último minuto, pode desfazer o efeito de toda uma vida vivida de acordo com o que, para os gregos, consistia o Bem Supremo.
. O que a modernidade acrescentou ao ideal aristotélico foi o debate sobre o direito ao suicídio, cuja antiga grandeza trágica foi abolida pelo cristianismo. O direito de escolher a própria morte é a confirmação radical da liberdade humana – daí a frase de Albert Camus, para quem o suicídio seria a única questão filosófica verdadeiramente importante, máxima expressão de autonomia dos homens em um mundo sem Deus. O problema colocado pelo suicídio é que, se é legítimo desejar a morte, a vida deixa de ser um bem absoluto.
Em 1920, Freud escreveu que o sentido da vida é dado pelo princípio do prazer. De lá para cá, a discussão sobre o preço e os riscos da liberdade cedeu lugar às demandas hedonistas, próprias das sociedades de mercado em estágio avançado. O debate filosófico sobre a liberdade, hoje, reduziu-se à dimensão mesquinha dos direitos do consumidor. Ser livre, nesse caso, significa pouco mais do que escolher o que se quer comprar. O problema existencial contemporâneo é saber como abolir, da vida, todo sofrimento. Se possível, aboliríamos a morte; há quem aposte nisso – e mande às favas, ao encomendar o congelamento do próprio corpo até o século XXII, todas as interrogações filosóficas sobre a finitude da carne e a imortalidade da alma. Mas se a morte for inevitável, que seja possível pelo menos viver o tempo que nos cabe sem ter notícias da dor. [...]
Maria Rita Kehl
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Levante a mão quem nunca teve o azar de ser amado pelas razões erradas. Eis uma experiência capaz de produzir a angústia de quem se depara com um duplo de si mesmo: o espelho do olhar do outro te devolve uma imagem que parece sua, mas na qual você não se reconhece. Claro que ninguém ama com objetividade. O que o amante vê no ser amado é sempre contaminado pela fantasia. Não me refiro, então, à impossibilidade fundamental de complementaridade entre os casais, mas aos encontros que se dão na base do puro mal entendido. Sentir-se amado por qualidades que o outro imagina, mas não têm nada a ver com você, pode ser muito angustiante. E sedutor. Vale lembrar que a palavra sedução indica o ato de desviar alguém de seu caminho: eis que chega a roda viva e carrega o destino prá lá.
Pensava essas coisas de meu lugar na platéia lotada do Credicard Hall (que nome para um teatro, caramba!) onde fui ver o show de uma de minhas cantoras favoritas no momento: Maria Gadu. Para quem não conhece, Maria Gadu despontou em 2009 na cena musical com uma força que não se via desde a década de 90, quando surgiram cantoras do porte de Marisa Monte e Cássia Eller. O cd que leva seu nome está a muitos meses na lista dos mais vendidos. O que não quer dizer grande coisa: muita gente boa nunca entrou nessa lista e muito lixo musical freqüenta os primeiros lugares. É certo que ter emplacado uma canção na novela das oito deu um empurrãozinho, mas a novela acabou e o cd, que tem onze faixas além de “Shimbalaiê”, continua firme nas paradas. Às vezes o talento encontra seu espaço.
Definir uma voz é quase tão difícil quanto definir um cheiro. Para a experiência olfativa usamos com freqüência analogias com os sabores: os cheiros podem ser doces, amargos, ácidos. Ou são cheiros de: flor, mar, rato, gasolina, parede. Para as vozes, temos a classificação tradicional entre sopranos, barítonos, tenores, contraltos. Imagino que a cantora em questão seja contralto, o que não define grande coisa. Dizer que a voz é rouca também não nos salva da imprecisão. Rouca como o que: uma pedra que raspa na lousa ou um motor a diesel? Um fumante terminal ou Marlene Dietrich? A imagem que me ocorre para a voz de Gadu é a de uma lixa muito fina a filtrar o som que passa por ela, vindo do fundo de um poço. Uma imagem esquisita, concordo. Ainda bem que para os argentinos (que entendem de vozes roucas), “esquisito” quer dizer raro. E raro quer dizer esquisito, mas não tem importância.
[...]
Maria Rita Kehl
quinta-feira, 15 de julho de 2010
domingo, 11 de julho de 2010
Quando o Cupido ataca!!!!
Logo que constatamos em nós esse estado de enamoramento, começamos a nos questionar. Parecemos estar estranhos a nós e aos nossos sentimentos. Os colocamos à prova, a fim de nos certificarmos se são mesmo verdadeiros, efêmeros, reais ou ilusórios.
Em meio a todas essas emoções e expectativas, aparece também um dos nossos sentimentos já bem conhecido, o medo.
Temos medo de amar e de ser rejeitado, de não ser correspondido. Medo de nos sentirmos fragilizados e vulneráveis. É como se houvesse um “fantasma” que nos assombrasse, sempre lembrando que a qualquer momento a relação pode acabar e que o outro pode não querer mais viver algo conosco.
Tais “fantasmas” estariam intimamente relacionados com experiências vividas anteriormente. Não apenas experiências de antigas relações, mas de nossos primeiros vínculos afetivos. Registros de sentimentos de desamparo e de abandono que vivenciamos desde os primeiros anos da infância.
Há também o pânico que nos invade, quando nos deparamos com aquilo que realmente buscávamos. Quando encontramos aquele ou aquela que era exatamente como queríamos. Parecemos não saber o que fazer com esse sentimento tão intenso de alegria. Nesse momento o nosso medo é de sermos amados, da relação dar certo e de sermos felizes.
Devemos então nos lembrar que com o medo vem junto a coragem. Uma força que nos impulsiona e que nos lança em direção ao que desejamos. Ao ficarmos paralisados frente ao que tememos (e tememos também porque queremos), ela nos faz dar o próximo passo. Avançamos um pouco mais, quando nos permitimos agir com ousadia, insistência, parecendo muitas vezes incansáveis em nossa busca.
Nossa própria condição humana nos dá esses pares de afetos que nos constituem interiormente, como o medo e a coragem. Um pólo força-nos em direção a recuarmos e o outro nos empurra a avançar. Estabelece-se um conflito dentro de nós nesse momento. É dessa maneira que nos angustiamos tanto frente às nossas escolhas.
Escolher entre seguir em frente e investir em uma possível relação, ou deixá-la passar na tentativa de nos protegermos. Oh dúvida cruel!!!
Se decidirmos seguir em frente, será preciso arriscar. O que quer dizer, assumir que toda relação corre o risco de dar certo e também de fracassar. Se recuarmos, não nos arriscaremos e acreditaremos que assim, estaremos mais seguros e protegidos das frustrações amorosas.
Para assumir a aposta, é preciso que tenhamos desistido de acreditar que a vida nos dará algum tipo de garantia. Oferecer o nosso sentimento a outra pessoa, otimistas de que nela o sentimento também desabrochará. Mas garantia de que isso nos acontecerá não teremos. Será preciso suportar essa posição que sentimos com aquele friozinho na barriga, se quisermos estabelecer algo com maior envolvimento e comprometimento.
Apenas poderemos ter certeza de estarmos escolhendo algo de acordo com o que desejamos viver e com o quanto nosso limite nos permitirá investir. Para isso teremos que nos aproximarmos de nós mesmos e conhecermos quais são eles.
terça-feira, 6 de julho de 2010
COMO SE CHAMA
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Sobre a Transferência
(Freud, S. A dinâmica da transferência - Obras Completas)